Destaques do teatro em 2014
Isabel Teixeira, Julia Bernat e Stella Rabello em E se elas fossem para Moscou? (Foto: Paulo Camacho)
O conjunto de montagens apresentado em 2014 parece evidenciar alguns desequilíbrios. A produção do primeiro semestre – que concentrou trabalhos como 12 Homens e uma Sentença, E se elas fossem para Moscou?, Contrações, O Duelo e Samba Futebol Clube – se revelou bem mais sólida do que a do segundo. As atrizes brilharam mais do que os atores, a julgar pelas ótimas atuações de Ana Beatriz Nogueira, Carol Badra, Claudia Ventura, Debora Lamm, Isabel Teixeira, Miwa Yanagizawa, Nathalia Timberg, Solange Badim, Suzana Faini e Yara de Novaes – cabe, porém, lembrar das interpretações de Henrique Cesar, Isio Ghelman, Leopoldo Pacheco e Sergio Siviero. Houve interessantes propostas cenográficas, expressivas concepções no terreno da iluminação, mas reduzidas criações dignas de nota no setor dos figurinos.
Foi um ano particularmente fraco para a dramaturgia brasileira, valendo fazer breves menções ao trabalho de Marcia Zanelatto com a linguagem poética (em Desalinho), de Jô Bilac com o universo de Oscar Wilde (em Beije minha Lápide) e de Emanuel Aragão conectando a estrutura do texto com as condições de seus personagens (em Plano sobre Queda). Tchekhov rendeu duas apropriações instigantes, realizadas por Christiane Jatahy (em E se elas fossem para Moscou?) e por Georgette Fadel (em O Duelo). Além de Jatahy e Fadel, outros diretores imprimiram assinaturas marcantes, como Guilherme Leme Garcia (em Trágica.3 e Da Vida das Marionetes), Roberto Alvim (em Tríptico Samuel Beckett), Victor García Peralta (em Uma Relação Pornográfica) e Inez Viana (em O que você viu), sem perder de vista a prova de fôlego de Bruce Gomlevsky (que reeditou Festa de Família e encenou O Funeral).
Os musicais se apresentaram com esperado destaque, mas as melhores contribuições não seguiram formatações convencionais: Samba Futebol Clube abraçou a produção de décadas por meio de estrutura não-linear (ainda que houvesse espinha dorsal definida para o primeiro e o segundo ato) e As Bodas de Fígaro ganhou com direção musical singular para o original de Beaumarchais. No campo internacional desembarcaram no Rio de Janeiro a estética minuciosamente construída de Bob Wilson (The Old Woman) e a montagem sintética do Shakespeare’s Globe (Hamlet).
10 ESPETÁCULOS:
12 HOMENS E UMA SENTENÇA – Eduardo Tolentino de Araújo manteve, nessa montagem do original de Reginald Rose, a preocupação em valorizar o texto e o trabalho do ator, características de sua condução dentro do Grupo Tapa. No elenco, destaque para a interpretação de Henrique César.
BEIJE MINHA LÁPIDE – Jô Bilac procura capturar – com alguma irregularidade – a atmosfera de Oscar Wilde. Há uma sintonia entre texto e os elementos da montagem, dirigida por Bel Garcia, que realça certo jogo de espelhos, sintetizado na imponente cenografia de Daniela Thomas. Também cabe destacar o rendimento do elenco, os vídeos concebidos por Julio Parente e Raquel André e, em especial, a iluminação de Beto Bruel.
AS BODAS DE FÍGARO – Daniel Herz conduz simpática montagem do texto de Beaumarchais (transformado em ópera por Mozart). Acumulando direção musical com atuação, Leandro Castilho se apropriou do material original. O rendimento do elenco é irregular, mas o engajamento dos atores pode ser percebido na relação com variados instrumentos. Com timing preciso, Solange Badim e Claudia Ventura apresentam excelentes trabalhos.
CONTRAÇÕES – A montagem do texto de Mike Bartlett evidencia integração entre as questões abordadas e os procedimentos da encenação. A diretora Grace Passô realça a artificialidade do contrato de relação imposto pela gerente à funcionária por meio da exposição da construção da cena, em especial no que se refere à trilha sonora (Dr. Morris), produzida diante da plateia. Algumas soluções da direção resultam excessivamente literais, mas o espetáculo tem a seu favor a excepcional atuação de Yara de Novaes.
CONVERSAS COM MEU PAI – Depois de Festa de Separação, Janaína Leite segue investindo no registro interpretativo em primeira pessoa, vertente destacada no teatro contemporâneo que não se reduz ao mero desabafo. Nesse trabalho, a atriz coloca o público diante de propostas espaciais contrastantes, entre a cena destituída de elementos e a repleta, com aspecto de locação.
O DUELO – A partir do texto de Anton Tchekhov, Georgette Fadel assina uma encenação dotada de fluxo contínuo. A teatralidade fica evidente na utilização dos elementos básicos, como o plástico manipulado pelos atores para “produzir” o movimento do mar. É uma cena crua, distante da grandiosidade. Os atores demonstram envolvimento na construção da cena. Destaque para Sergio Siviero.
E SE ELAS FOSSEM PARA MOSCOU? – Christiane Jatahy dá continuidade à sua pesquisa relacionada à interface teatro/cinema com dois trabalhos, apresentados concomitantemente, a partir de As Três Irmãs, de Anton Tchekhov: uma montagem e um filme decorrente do registro dessa montagem. Na encenação, a diretora coloca em tensão a estrutura realista e contrasta a atmosfera de época com tom contemporâneo. A atriz Isabel Teixeira sobressai, irrepreensível no preenchimento dos silêncios.
UMA RELAÇÃO PORNOGRÁFICA – Apesar da previsibilidade do texto de Philippe Blasband, o diretor Victor Garcia Peralta assina uma montagem sem excessos, algo austera, marcada por movimentos contidos. Ana Beatriz Nogueira se apresenta com porte, com elegância que, porém, não esfria sua atuação. Vale destacar também a iluminação de Maneco Quinderé, que insere cor numa cena tomada por tons neutros.
SAMBA FUTEBOL CLUBE – Gustavo Gasparani contou com ótima equipe nesse novo musical, que não foi estruturado de acordo com uma convencional ordenação cronológica. Foi bem amparado pela pesquisa musical de Alfredo Del Penho e pela de textos de João Pimentel, pela direção de movimento e as coreografias de Renato Vieira, pela direção musical de Nando Duarte e pelo elenco entrosado e homogêneo.
TRÍPTICO SAMUEL BECKETT – Fiel às bases de seu teatro, Roberto Alvim reúne três textos de Samuel Beckett em espetáculo austero, impactante e destituído de ornamentos, características que potencializam a sensação de exasperação diante das questões que vêm à tona durante a encenação – a impossibilidade de reter a passagem do tempo, a solidão e a morte. Entre as atrizes, Nathalia Timberg consegue aproximar mais o texto do espectador.
carmattos
26 de dezembro de 2014 @ 15:07
Você chegou a ver “O Homem Elefante”, dirigido por Cibele Forjaz e Wagner Antônio”? Achei excelente.