Novos espaços para autores clássicos
Saulo Rodrigues e Ângela Câmara em Fala Comigo como aChuva e me Deixa Ouvir (Foto: Dalton Valério)
Algumas características parecem unir as propostas das montagens de Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir e As Três Irmãs. Para começar, as encenações são apresentadas em espaços (a primeira na Casa da Glória, a segunda no Casarão Austregésilo de Athayde) e horários alternativos (a primeira em duas sessões, às 14h e 16h, aos sábados e domingos, a segunda, às 16h, de sexta-feira a domingo), uma bem-vinda iniciativa tendo em vista a escassez de salas no Rio de Janeiro e o horário coincidente de boa parte dos espetáculos. Além disso, as montagens trazem à tona textos de Tennessee Williams e Anton Tchekhov, autores clássicos (em que pese o termo um tanto desgastado) e filiados ao realismo (ainda que essa classificação seja reducionista e não dê conta da dramaturgia de ambos).
Em Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir, um dos espetáculos comemorativos dos 18 anos da Cia. Os Dezequilibrados, o diretor Ivan Sugahara (que assina com Lívia Paiva a operação sobre o texto de Williams) promove uma tensão temporal ao, por meio de uma manifestação artística atada ao aqui/agora como o teatro, mostrar a dificuldade de um casal de estabelecer sintoniza com o presente. Os recursos utilizados ao longo da encenação – narração em off, evocação de ferramentas cinematográficas (aliás, uma das marcas do grupo) – remetem ao passado.
Apresentada em formato itinerante (outra constante que atravessa o percurso de Os Dezequilibrados) pelas áreas internas e externas da Casa da Glória, a montagem não busca exatamente uma veracidade “documental”. Não há uma tentativa de ocultação dos elementos empregados para criar atmosferas, a exemplo da chuva obviamente produzida (cenografia de André Sanches). A iluminação de Renato Machado incide de maneira suave sobre a luz natural e realça a ambientação de festa no andar superior, onde o público não tem acesso. A trilha sonora de Ivan Sugahara, Lívia Paiva e Samuel Toledo é propositadamente heterogênea. Ângela Câmara e Saulo Rodrigues interpretam o casal, ela evidenciando mais a proximidade de um estado de transbordamento emocional (temperatura frequente nos trabalhos da atriz) e ele oscilando entre certa neutralidade e a contundência nos momentos determinantes.
Paula Sandroni, Gisela de Castro e Amanda Vides Veras: as três irmãs (Foto: Roberta Galluzo)
Em As Três Irmãs, a diretora Morena Cattoni encena a jornada das personagens do título – moradoras da província que sonham viajar a Moscou, portadoras de projetos de vida abortados – no jardim do Casarão Austregésilo de Athayde. Os atores/personagens caminham pelo jardim, nem sempre próximos de onde estão os espectadores, como se suas existências extravasassem as bordas do espaço cênico. Uma opção apropriada em se tratando de Tchekhov, autor que registra um fragmento (mesmo que importante) das trajetórias de seus personagens, estagnados apesar do eventual deslocamento geográfico (as malas contidas no espaço – direção de arte de Luciana Focaluci – são bastante representativas dessa ocasional contradição). Há um visível cuidado de produção, a julgar pelos figurinos de Cesar Soares. É no rendimento do elenco onde se encontram os maiores problemas, principalmente nos atores encarregados de defender os menores papéis. Já as três irmãs ficaram a cargo de Amanda Vides Veras, que empresta apreciável intensidade juvenil, Paula Sandroni, que permanece em adequado plano discreto, e Gisela de Castro, que às vezes resolve de forma pouco orgânica as transições da personagem.