Conexões e contrastes
Gilberto Gawronski e Guida Vianna em O Rei, o Rato e o Bufão do Rei, uma das partes de 2 X Matei (Foto: Renato Mangolin)
O teatro surge tematizado nos dois textos do romeno Matéi Visniec (O Último Godot e O Rei, o Rato e o Bufão do Rei) reunidos na encenação de 2 X Matei. No primeiro, o autor propõe um embate entre o dramaturgo Samuel Beckett e seu célebre Godot – o personagem pelo qual se aguarda, mas nunca chega, da peça Esperando Godot –, que reivindica fala, ao invés de “apenas” menção. Além disso, Visniec chama atenção para a derrocada da atividade teatral, cada vez mais destituída de público. No segundo confina numa cela um rei e seu bufão. Ambos esperam a execução e, enquanto ela não acontece, o bufão dirige o rei em discurso escrito com o intuito de produzir efeito calculado. Reforçando a importância do teatro, aos espectadores são atribuídos determinados papéis nos dois textos sem, porém, que haja qualquer aproveitamento no sentido da busca por uma interação direta.
Na montagem em cartaz no Teatro Poeirinha, Gilberto Gawronski acumula as funções de diretor (Amir Haddad assina supervisão), ator e cenógrafo. Valoriza a dramaturgia de Visniec e imprime um olhar sobre as obras, evidenciado na cenografia – um beco na primeira parte, onde se encontram autor e personagem, e uma cela na segunda. A concepção cênica de O Último Godot – que instala atmosfera impessoal, inóspita, realçada pela luz fria (iluminação a cargo de Vilmar Olos) – tem maior impacto que a referente a O Rei, o Rato e o Bufão do Rei. Já os figurinos (de Antonio Medeiros e Tatiana Rodrigues), bem característico para Beckett, são mais exuberantes na segunda parte, a julgar pelos trajes rotos do rei, que lembram apropriadamente roupas velhas retiradas de um antigo baú.
Mesmo que a integração entre as partes de 2 X Matei seja perceptível, o contraste também sobressai. Em relação ao registro interpretativo há notada distância entre certa sobriedade em O Último Godot e o caráter de composição presente em O Rei, o Rato e o Bufão do Rei. Se Gilberto Gawronski permanece em plano menos destacado, talvez devido à necessidade de cumprir todas as tarefas dentro do espetáculo, Guida Vianna frisa com habilidade a faceta popular do Bobo, em especial no que diz respeito ao trabalho de voz. Destoando um pouco do bom padrão da produção, os vídeos (de Jorge Neto) projetados no início da segunda parte da montagem.
No programa de 2 X Matei, Gilberto Gawronski assinala conexão com 4 X Beckett, espetáculo realizado no Teatro dos Quatro – formado pela união de quatro peças curtas de Samuel Beckett, interpretadas por Sergio Britto, Ítalo Rossi, Rubens Corrêa e Richard Riguetti – que marcou o começo da trajetória de Gerald Thomas no Brasil. Mas cabe evocar 2 X Pinter, resultado da junção de dois textos de Harold Pinter (Cinzas a Cinzas e Uma Espécie de Alaska), encenação dirigida por Ítalo Rossi que trazia Guida Vianna no elenco. São montagens afinadas em termos de formato dramatúrgico, ainda que dotadas de especificidades que as distinguem.