Proposital incompletude
Parece haver uma incompletude proposital na concepção de Humor, novo trabalho do grupo mineiro Quatroloscinco que encerra temporada hoje na Caixa Cultural. Logo no início da apresentação, os atores começam a narrar uma história, mas o ato de contar se revela mais importante do que o enredo em si – centrado num paciente vitimado por doença misteriosa, destituído de voz, controlado por aqueles que o rodeiam. Os atores interrompem uns aos outros e seguem contando a história, cujo desenvolvimento é obviamente determinado por aquele que detém a palavra no momento.
A incompletude também transparece nas atuações. Os atores circulam por registros diversos, como se não enveredassem totalmente por um deles ou mergulhassem por pouco tempo, tendo em vista que sobressai o jogo da passagem de um para o outro. Os atores transitam entre a narração, a interpretação dos personagens e um desarmamento, como se, em dados instantes, se despojassem de esferas de construção e falassem em primeira pessoa, como que assumindo a incapacidade de seguir adiante. Mas esse aparente desmascaramento é uma construção e não a exposição de um eu “puro”.
Outro elemento norteado pela incompletude é o cenário de Ed Andrade, que, por meio de heterogêneas paredes de espelhos, sugere atmosfera degradada. A cenografia, porém, mais anuncia do que concretiza. A casa não é inteiramente materializada diante da plateia. Boa parte dela é montada e desmontada na frente do espectador nessa encenação de estrutura deixada à mostra. A iluminação de Marina Arthuzzi traz à tona um clima outonal, crepuscular. A trilha sonora de Lucas Yogananda é ocasionalmente rascante.
A coerência perceptível entre as escolhas da montagem decorre, em alguma medida, do fato de os próprios atores (Assis Benevenuto, Italo Laureano, Marcos Coletta e Rejane Faria) assinarem a direção – como ocorreu, nos últimos tempos, com o bem-sucedido Aqueles Dois, espetáculo de outra companhia mineira, a Luna Lunera – e dois deles (Benevenuto e Coletta), a dramaturgia. Rejane Faria evidencia mais dificuldade que os demais para transitar entre os registros propostos nessa encenação dotada de potencial para instigar o público.
carmattos
14 de abril de 2014 @ 01:21
Pô, Daniel, no último dia? E agora, como vou ver?
danielschenker
22 de abril de 2014 @ 14:58
Pois é, Carlinhos. As temporadas no Rio (se é que ainda podem ser chamadas assim) estão meteóricas.