Em defesa da dúvida
Cena de 12 Homens e uma Sentença, em cartaz no CCBB (Foto: Dalton Valério)
Eduardo Tolentino de Araújo é um diretor especialmente adequado para capitanear uma proposta de montagem como a de 12 Homens e uma Sentença, obra concebida por Reginald Rose como telepeça e transportada para o cinema por Sidney Lumet, tendo em vista a sua trajetória diretamente ligada à valorização do texto e do trabalho do ator dentro do Grupo Tapa.
O público acompanha a jornada de integrantes de um conjunto heterogêneo de jurados. Eles devem decidir se condenam à morte ou absolvem um adolescente acusado de matar o pai. De início, apenas um dos jurados tem dúvidas sobre o desenlace do caso. Aos poucos, os demais passam a questionar se a rápida conclusão a que chegaram é óbvia e incorreta. A decisão precisa ser unânime e, para tanto, eles travam embate crescente enquanto permanecem fechados dentro de uma sala. O calor do verão de Nova York acirra ainda mais os ânimos.
O autor não está interessado em elucidar a morte do personagem mencionado, mas em registrar o processo de desestabilização dos jurados, que, à medida que a reunião avança, revelam que suas opiniões decorrem muitas vezes de recalques, preconceitos e reacionárias visões de mundo. Reginald Rose mostra, portanto, como que a tomada de posição de cada um pode estar atrelada a vivências pessoais (mesmo que nem sempre se tenha consciência disto), o que não significa que defenda a possibilidade de se atingir a imparcialidade na avaliação, uma ambição talvez utópica. E chama atenção para a dificuldade frequente de se colocar em estado de dúvida, de abrir mão de certezas imediatas. A questão conecta 12 Homens e uma Sentença a outro texto, mais recente – Dúvida, de John Patrick Shanley, também adaptado para o cinema, centrado na postura radical de uma freira, norteada pela certeza de que um aluno foi sexualmente molestado por um padre.
Para a encenação atualmente em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), quase todo o elenco mudou. Apenas Norival Rizzo e Genézio de Barros participaram da montagem paulistana e continuam presentes. Eduardo Tolentino de Araújo distribui com habilidade os atores pelo espaço nessa peça de confinamento, ambientada em cenário único. Resolve bem não só a circunstância dos atores inicialmente posicionados de costas para a plateia na grande mesa de reunião como explicita, através das marcações, as transições atravessadas pelos membros do júri, que vão deixando de expressar uma visão única e começando a manifestar percepções individualizadas sobre o caso. A disposição espacial também foi alterada. Se em São Paulo, o público era inserido, de certa forma, dentro do espaço da sala de reunião e lá permanecia como presença invisível, testemunhando o desenrolar dos embates entre os jurados, agora a montagem surge em configuração palco/plateia mais convencional.
Além dos citados Norivaz Rizzo e Genézio de Barros, que interpretam personagens que despontam como forças antagônicas em relação à sentença, Eduardo Tolentino conduz elenco composto por Edmilson Barros, Xando Graça, Camilo Bevilacqua, Alexandre Mello, Babu Santana, Marcello Escorel, Henrique César, Henri Pagnocelli, Mario José Paz e Gustavo Rodrigues (com Francisco Paz encarregado das discretas intervenções do guarda). Os atores às vezes se fixam em determinada característica central de seus personagens, não constituindo, dessa maneira, perfis multifacetados. Mas formam um conjunto harmônico, que dosa a atmosfera de tensão, a voltagem dramática e o humor contidos no texto de Reginald Rose, traduzido por Ivo Barroso. E cabe destacar a atuação segura de Henrique César.
A montagem evidencia investimento na austeridade sugerida por Rose. A cenografia de Lola Tolentino reproduz o ambiente impessoal da sala de reunião do júri. Os figurinos de Ana Cristina Monteiro de Castro diferenciam os personagens de acordo com condição social e personalidade. A iluminação de Nelson Ferreira foi concebida sem concessões à obviedade, a julgar pelos primeiros minutos do espetáculo: os atores entram na penumbra e, ao invés da aposta no previsível contraste com uma abrupta luz aberta, a cena vai sendo iluminada aos poucos, por meio de gradações sutis.