Investimento em rumos opostos
Antonio Rabello, Adriano Garib e Marina Provenzzano em Eu, o Romeu e a Julieta (Foto: Felipe Lima)
Com Eu, o Romeu e a Julieta, espetáculo em rápida temporada no Mezanino do Espaço Sesc, em Copacabana, a Cia. das Inutilezas parece buscar diálogo com uma faixa mais abrangente de espectadores do que as montagens anteriores do grupo. Esta observação não deve ser interpretada como elogio ou demérito. Trata-se apenas de uma constatação independente de juízo de valor relacionada a um aparente desejo do diretor Emanuel Aragão de se aproximar do público (sobretudo) pela via emocional.
Não por acaso, o trabalho é “definido”, logo antes do começo da sessão, por Liliane Rovaris, assistente de direção com discreta participação em cena, como uma comédia romântica. O diretor questiona convenções dessa combinação de gêneros, o que evidencia certa ambição crítica, ao mesmo tempo em que procura inscrever Eu, o Romeu e a Julieta nessa corrente. Nesse sentido, a montagem segue rumos opostos sinalizando tensões. Se por um lado Emanuel Aragão se esforça para reverberar na plateia ecos do vínculo passional entre personagens da atualidade – um diretor/ator, Pedro, e uma atriz, Ana, imersos em turbulento processo de encenação de Romeu e Julieta, tragédia de William Shakespeare –, por outro se vale de recursos de distanciamento, concentrados em Antonio, um menino que narra e conduz as jornadas acidentadas dos dois, assumindo, dessa forma, a posição de diretor da cena.
Antonio fica encarregado de introduzir e manipular todos os elementos (quadros com explicações sobre a peça, mesa, cadeiras, televisão), preenchendo o palco inicialmente vazio (cenografia de Antonio Pedro Coutinho). A inserção desses elementos pode dar a sensação de que Emanuel Aragão quer abordar o processo criativo, eleger como tema a construção da cena. O diretor, porém, investe mais na associação entre a trágica história de amor entre Romeu e Julieta e a intensidade do elo entre Pedro e Ana, talvez a partir de uma “contaminação” do segundo casal pela energia do primeiro.
Entretanto, a articulação do casal de Shakespeare com uma circunstância contemporânea resulta em tímida presentificação de Romeu e Julieta. A operação pouco verticalizada sobre a peça do dramaturgo inglês (alguns procedimentos, como os vídeos com os atores transitando desnorteados pelo espaço do Sesc e pelas ruas de Copacabana não chegam a ganhar corpo) e os problemas dramatúrgicos (o diretor assina o texto) tornam menos refinada a conexão entre o célebre e o novo casal.
Determinados dados soam nebulosos, como as razões que justificam o estado de Pedro, praticamente sem variações, e a paixão que Ana passa a sentir por ele. Se Pedro é linear em seu constante fluxo interrompido, sintoma de excesso de timidez na esfera amorosa e/ou de adesão à obra que anseia encenar, Ana desponta como uma atriz bastante limitada para convencer Pedro de que possui plenas condições para ser a Julieta perfeita, a julgar por suas tolas menções à versão cinematográfica de Baz Luhrmann para a peça de Shakespeare (Romeu + Julieta). A perspectiva de Antonio, impactado pela separação dos pais, é anunciada no início, mas se dissolve ao longo da apresentação. É como se as informações esfumaçassem em cena.
A ausência de colorido na concepção dos personagens influencia nas atuações, ainda que Antonio Rabello cumpra com disciplina suas atribuições e Adriano Garib e Marina Provenzzano executem com competência o contraste proposto – o constrangimento de Pedro, a naturalidade de Ana –, devidamente realçado nos figurinos (de Liliane Rovaris). A iluminação de Isadora Petrauskas sugere atmosfera intimista e a trilha sonora, de Alex Tolkmit, é suave, qualidades ideais para essa montagem que desembarca em cena em apreciável tom menor.
Apesar de prejudicado principalmente pela fragilidade do texto, Eu, o Romeu e a Julieta integra o percurso de uma companhia interessante e inquieta, que já mostrou ótimos trabalhos, a exemplo de Meu avesso é mais visível que um poste.
Crítica postada no site www.teatrojornal.com.br