Virtuosismo encoberto pelo despojamento
Emilio Orciollo Netto: desenho concreto dos personagens (Foto: Alex Santana)
Também Queria te Dizer – Cartas Masculinas segue o modelo da montagem de Tudo que Queria te Dizer. Como no espetáculo anterior, só há um ator em cena – antes Ana Beatriz Nogueira, agora Emilio Orciollo Netto; os textos reunidos também são de Martha Medeiros e foram estruturados no formato de cartas; e na direção, o mesmo profissional: Victor Garcia Peralta.
Nesse projeto gêmeo, o espectador é confrontado com os depoimentos referentes, entre outros casos, à morte de um amigo, tragédia em que aquele que conta teve involuntária participação, à descoberta tardia de um homem em relação ao aborto da mulher, à revolta de um artista devido a uma crítica demolidora. A contundência se impõe como o elemento de união de cada desabafo, cujo teor vai sendo revelado no decorrer de falas frequentemente catárticas.
Os personagens, que pertencem a universos e classes sociais distintos, propiciam ao ator um exercício de versatilidade. E é a comprovação da habilidade de um intérprete em se metamorfosear em figuras não apenas diferentes como contrastantes que desponta como o objetivo de Também Queria te Dizer – Cartas Masculinas. De qualquer modo, Emilio Orciollo Netto passa na prova ao dimensionar a humanidade dos personagens para além de composições tradicionais. O ator, bastante próximo da plateia no espaço intimista do Midrash, valoriza sutis entonações que ajudam a fornecer à plateia um desenho concreto da galeria de personagens.
A natureza, em alguma medida, virtuosística da proposta é encoberta pelo despojamento da montagem. A busca da síntese transparece na neutralidade do figurino (assinado pelo ator e pelo diretor), mas não no cenário (de Miguel Pinto Guimarães) propositadamente poluído e desordenado que preserva um interessante caráter “em construção”. A trilha sonora de Plinio Profeta potencializa de maneira surpreendente o texto de Martha Medeiros.