Uma raridade na temporada

Rose Abdallah, Patrícia Pinho e Diogo Vilela em O Bem-Amado (Foto: @prototipofilme)
Um espetáculo como O Bem-Amado – que encerra temporada, nesse domingo, no Teatro João Caetano – preenche uma lacuna importante no panorama teatral do Rio de Janeiro. Não é de hoje que as encenações de textos consistentes da dramaturgia brasileira e estrangeira rarearam. As razões para essa escassez se devem às dificuldades de produção, ainda que não necessariamente peças clássicas reúnam muitos personagens, e a uma desvalorização da literatura dramática em favor de textos criados como veículos de expressão de questões determinantes nas vidas dos artistas envolvidos.
Não há aqui qualquer intenção de negar a ampliação do conceito de dramaturgia, que, não mais restrito à folha de papel (à peça escrita), nasce do processo da sala de ensaio e das enunciações de todos os componentes que constituem o acontecimento teatral, em especial os corpos dos atores. Mas a pouca frequência do chamado teatro da palavra é um fato a ser assinalado. Implica num estreitamento do teatro de mercado, que passou a ficar concentrado nas variações do musical, e na perda de uma faixa de público.
Por trás da empreitada de O Bem-Amado há a longeva parceria entre o ator Diogo Vilela e o diretor Marcus Alvisi, que vêm somando esforços em encenações de textos sólidos com vastas equipes de artistas – projeto ousado na atualidade. Foi o que fizeram recentemente em O Pagador de Promessas, do mesmo Dias Gomes. E é o que fazem agora em O Bem-Amado. Se em O Pagador…, o dramaturgo destacava a tenacidade de um homem comum, inabalável em seus princípios, confrontado com o autoritarismo da igreja, em O Bem-Amado a característica da obstinação se mantém, mas em abordagem primordialmente cômica, no retrato de um político patético, Odorico Paraguaçu, decidido a inaugurar, a todo custo, o cemitério local.
Marcus Alvisi conduz um espetáculo que cumpre o objetivo de contar uma ótima história ao espectador. O diretor não impõe obstáculos à apreciação desse texto, celebrado na versão para a televisão na década de 1970, pela plateia. Prioriza a comunicabilidade em detrimento da ambição de uma assinatura autoral. Seu elo com Diogo Vilela se mostra, mais uma vez, promissor. O ator interpreta Odorico com timing preciso, aproveitando totalmente o potencial de humor das situações da peça.
Já o rendimento dos demais integrantes do elenco é bastante irregular. Chris Penna e Gabriel Albuquerque investem em composições bem marcadas de corpo e voz. Ataíde Arcoverde imprime presença singular. Mas alguns bons personagens poderiam render mais no palco, como as irmãs Cajazeiras feitas por Patrícia Pinho, Renata Castro Barbosa e Rose Abdallah e o Dirceu Borboleta a cargo de Tadeu Mello. Outros, com função pontual dentro do texto, não fornecem tanto material aos atores, como Luiz Furlanetto, que entra em cena perto do final. E há trabalhos que não voam acima de interpretações apenas esboçadas.
No que diz respeito à concepção visual do espetáculo, a cenografia e os figurinos de Pedro Stamford e Ronald Teixeira, cuidadosos e bonitos em si, não remetem ao universo da pequena cidade do Nordeste onde a ação se desenrola. E as tonalidades intensas da iluminação de Daniela Sanchez não são suficientes para minimizar a distância em relação à referência geográfica da peça.
Apesar das desigualdades, uma montagem como a de O Bem-Amado contribui decisivamente para a diversidade da temporada teatral da cidade. Apresentado num teatro de relevância histórica e grande dimensão como o João Caetano, o espetáculo proporciona o contato do público com uma peça saborosa e com um ator no pleno exercício de seu ofício.
O BEM-AMADO – Texto de Dias Gomes. Direção de Marcus Alvisi. Com Diogo Vilela. Patrícia Pinho, Renata Castro Barbosa, Rose Abdallah, Tadeu Mello, Chris Penna, Gabriel Albuquerque, Ataíde Arcoverde, Luiz Furlanetto. Teatro João Caetano (Praça Tiradentes, s/nº). Sáb., e dom., às 17h. Ingressos: R$ 5,00 e R$ 2,50 (meia-entrada).