Império do desejo
Cena de Parque de Diversões, filme de Ricardo Alves Jr. exibido na Mostra de Tiradentes (Foto: Caio Thielmann)
Ricardo Alves Jr. abre mão, em Parque de Diversões, de contar uma história ao espectador, que “tão-somente” acompanha personagens em suas incursões sexuais noturnas no Parque Municipal de Belo Horizonte. Não significa, porém, que a proposta seja solta ou abstrata. Há, no roteiro de Germano Melo, uma ordenação dos acontecimentos, de certa forma, tradicional.
Exibido na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme começa com figuras anônimas caminhando nas proximidades do parque, onde entram e transitam isoladamente até estabelecerem as primeiras interações sexuais que, à medida que a projeção avança, se tornam cada vez mais explícitas. O diretor também investe uma espécie de apanhado de fetiches eróticos, como se ambicionasse reunir um mix dos mais conhecidos.
Mas a priorização de uma estrutura algo convencional – que contrasta com a ousadia da realização – não determina o resultado. Bem mais importante é a dramaturgia do corpo num filme que quase não utiliza a palavra – talvez a não abdicação total sinalize uma insegurança do cineasta. Seja como for, a força das imagens se impõe logo nos minutos iniciais, com a abertura furiosa das grades do parque, gesto que evidencia o desejo não domesticado.
Os trajetos individuais pelo parque sugerem uma experiência repleta de libido e um pouco sinistra. No entanto, apesar do frisson ligado ao sexo descompromissado em espaço público (cruising), o diretor não aborda esse universo como ameaçador ou violento.
O protagonismo do corpo não se manifesta apenas na exposição dos atos sexuais. Reside no modo como o corpo é mostrado. Símbolo do voyeurismo, o olho impera num filme em que a vontade de observar não inibe a participação. E o destaque à visão vem à tona através da ausência dela. Um dos personagens é cego e, numa cena, escuta a descrição do encontro sexual que supostamente se desenrola na sua frente. Esse encontro não é revelado. Nem ele e nem a plateia sabem se, de fato, a narrativa corresponde à ação. Num filme tão explícito, Ricardo Alves Jr. não deixa de valorizar o implícito, a camada sonora ao invés da mera sucessão de imagens de choque.
Ainda em relação ao corpo, muitos fragmentos são registrados em close. Em dados momentos, o diretor apresenta, em separado, corpos e rostos, como se não houvesse uma integração entre ambos. Mas tanto uns quanto outros surgem na tela como expressões cruas e latentes do desejo. Essas possibilidades de associação são mais instigantes do que a oposição entre os brinquedos infantis do parque de diversões diurno e as práticas sexuais noturnas.
Parque de Diversões não alcança o impacto de um filme centrado na volúpia como O Fantasma (2000), de João Pedro Rodrigues. Ricardo Alves Jr. mantém apego a escolhas habituais, a exemplo da previsível evolução da intensidade física e da preservação, mesmo que restrita, da palavra. Mas o cineasta orquestra uma mobilizadora dança de corpos ardentes.