Domínio da palavra
Analu Prestes em Senhor Diretor, montagem de Silvia Monte para o texto de Lygia Fagundes Telles (Foto: Alexia Maltner)
Por seu tamanho diminuto, o aconchegante Espaço Abu, em Copacabana, se destina a montagens de porte bastante reduzido. Em sintonia com essa característica, a encenação de Senhor Diretor pertence, como as iniciativas anteriores apresentadas nesse espaço, a um “teatro essencial”, destituído de elementos dispersivos (no pequeno palco, estabelecido entre duas arquibancadas, há apenas uma cadeira) e centrado no texto e na interpretação.
Mesmo diante desse despojamento quase absoluto, a montagem dirigida por Silvia Monte evidencia algum excesso nas dispensáveis projeções do nome do jornal e da tela de cinema, sinalizações visuais que localizam, sem necessidade, o público. A diretora não aproveita plenamente a restrição espacial e a escassez de objetos como proposta de linguagem.
Na transposição do material literário para a cena, Silvia Monte operou, de maneira discreta, sobre o conto de Lygia Fagundes Telles. Na verdade, esse projeto começou como leitura, já sob a condução de Silvia e com a presença de Analu Prestes, e “evoluiu” para o estágio de realização cênica. Vale mencionar, inclusive, que a diretora está à frente de leituras (prática a qual costuma se dedicar) de textos de Lygia, também no Espaço Abu, com frequência mensal.
Em relação a Senhor Diretor, o conto original oscila a primeira e a terceira pessoa no retrato de uma professora aposentada e reprimida sexualmente – informação destacada, desde o início, através da citação à conhecida e polêmica cena de O Último Tango em Paris (1972), filme de Bernardo Bertolucci – que, em meio à formulação de uma carta ao diretor de um jornal, dá vazão a um processo de autoanálise. Ao externar, num fluxo de pensamento, barreiras decorrentes de uma educação castradora, a personagem mergulha em viagem interiorizada. Silvia Monte prioriza o estado emocional da professora em detrimento da estrutura de escrita e, assim, aproxima o texto do espectador.
Além disso, Silvia Monte valoriza o trabalho de Analu Prestes. A parceria criativa de ambas fica especialmente sugerida no instante em que a diretora leva a atriz a romper com o registro contido e natural para assumir certa estilização e uma exaltação física que redimensionam um trecho do conto. É possivelmente o momento em que Silvia, em conexão com Analu, mais imprime sua assinatura. A atuação de Analu Prestes é enriquecida por inflexões variadas, colorido vocal, mas sem incorrer em maneirismos. O afastamento de uma abordagem linear do texto se deve à sua compreensão verticalizada da personagem.
Ainda que a limitação espacial não tenha sido utilizada em prol de uma elaboração refinada e sutil das criações constitutivas da montagem, Senhor Diretor proporciona ao público um encontro com a palavra e com uma atriz que domina o seu ofício.
SENHOR DIRETOR – Texto de Lygia Fagundes Telles. Direção de Silvia Monte. Com Analu Prestes. Espaço Abu (Av. Nossa Senhora de Copacabana 249 – Loja E). De sex. a dom., às 20h. Ingressos: R$ 100,00 e R$ 50,00 (meia-entrada).