Uma comédia física
Eduardo Sterblitch interpreta a babá quase perfeita no espetáculo em cartaz no Teatro Multiplan (Foto: Eny Miranda)
Na recente temporada teatral, bem-sucedidas produções da indústria cinematográfica têm sido adaptadas para a linguagem do musical. São os casos de O Jovem Frankenstein – escorado no célebre filme (1974) de Mel Brooks –, Beetlejuice – a partir de Os Fantasmas se Divertem (1988), de Tim Burton – e, agora, Uma Babá Quase Perfeita – transposição para o teatro da comédia de Chris Columbus (1993). Os dois últimos foram assinados pelo diretor Tadeu Aguiar e trazem Eduardo Sterblitch como ator protagonista.
Tadeu Aguiar vem investindo firme nessa linha. Antes das encenações mencionadas, levou para o palco, em formato de musical, outros filmes conhecidos – Love Story (1970), de Arthur Hiller, A Cor Púrpura (1985), de Steven Spielberg, e Ou Tudo ou Nada (1997), de Peter Cattaneo –, ainda que nem sempre a origem desses projetos seja o cinema (A Cor Púrpura, por exemplo, nasceu como romance de Alice Walker). De qualquer modo, o desafio está em musicar, no teatro, obras que não necessariamente foram concebidas como musicais.
Para tornar os espetáculos mais acessíveis a uma ampla faixa de espectadores, as letras são criadas ou traduzidas para o português, mesmo em se tratando de canções famosas. Filme que não pertence à corrente do musical, Uma Babá Quase Perfeita foi adaptado para esse gênero quando migrou do cinema para a Broadway. Para a montagem atualmente em cartaz no Teatro Multiplan, Victor Mühlethaler ficou responsável pela (boa) versão brasileira das músicas e letras de Karey e Wayne Kirkpatrick.
Há uma particularidade interessante no enredo simples de Uma Babá Quase Perfeita, centrado nos esforços de um pai, Daniel, para se manter próximo dos filhos após se separar da esposa: o personagem é um ator. A partir de seus recursos interpretativos, ele se metamorfoseia na babá do título. Nesse sentido, o ofício do ator está na base da proposta dramatúrgica. Aqui, o ator é o profissional habilidoso na composição física – no que diz respeito não só à caracterização visual como à versatilidade vocal – que o permite desaparecer por trás da personagem que constrói.
Eduardo Sterblitch surge em cena como Daniel/babá (revezando-se no papel com Rainer Cadete) e o perfil contido, delicado, da babá o encaminha para uma atuação menos expansiva e histriônica do que a normalmente encontrada em superproduções musicais. O ator concilia esse registro em tom menor (apesar de, às vezes, falar um pouco baixo) com a agilidade física exigida nas intensas trocas de identidade. No restante do elenco, Simone Centurione se destaca por meio de divertido desenho corporal.
Parte considerável da graça fica concentrada justamente no jogo de disfarce, na correria incessante, nos quiproquós e confusões, ingredientes de uma comédia do corpo, conforme evidenciado, em especial, nas passagens em que o protagonista é obrigado a assumir dupla identidade: a própria e a da babá. Essa transição meteórica – que remete ao tour de force de O Mistério de Irma Vap, de Charles Ludlam – é plenamente concretizada na cena da primeira visita da representante do tribunal ao pequeno apartamento de Daniel, quando ele perde a máscara facial. A intencionalmente caótica movimentação em espaço exíguo e compartimentado (cenografia de Rogério Falcão), orquestrada com timing ajustado, arranca risos da plateia.
Tal excelência não é alcançada na sequência ambientada no restaurante, local onde o personagem marca dois compromissos simultâneos nos quais tem que aparecer com identidades distintas. Essa sequência não possui, nessa nova montagem, o mesmo detalhismo que no filme. E a diversão era maior no cinema pelo fato de o protagonista fazer a insana troca de roupa sozinho, sem o auxílio de outros personagens.
Além disso, o resultado é melhor quando o humor decorre das situações fornecidas no texto. A aposta em cacos e improvisos, geralmente voltados para referências contemporâneas e/ou brasileiras, inseridas com o intuito de aproximar o espetáculo do espectador de hoje, tende a tornar as cenas algo dispersas e não tão engraçadas. Esse tipo de apelo, comum em musicais estrangeiros, é aplicado, com certa frequência, em Uma Babá Quase Perfeita.
A tentativa de estabelecer sintonia com o contexto atual também pode ser constatada na preocupação em frisar que a constituição familiar não precisa obedecer aos moldes tradicionais e em valorizar corpos não submetidos à ditadura da forma, ao perfeccionismo estético. O questionamento da moral arraigada, obsoleta, é louvável, mas a inclusão na dramaturgia carece de organicidade.
Uma Babá Quase Perfeita – O Musical segue à risca as características dos espetáculos dessa vertente – entre elas, o reaproveitamento de sucessos do cinema, a presença de um intérprete carismático, a imponente engenharia de produção e a tendência de extrair humor de elementos exteriores ao texto. Mas essa babá, ainda que distante da perfeição, proporciona ao público momentos de diversão.
UMA BABÁ QUASE PERFEITA – O MUSICAL – Texto de Karey Kirkpatrick e John O’Farrell. Direção de Tadeu Aguiar. Com Eduardo Sterblitch, Rainer Cadete, Thais Piza, Simone Centurione. Teatro Multiplan / Shopping Village Mall (Av. das Américas, 3900). Qua., qui. e sex., às 20h. Sáb., às 16h e 21h. Dom., às 16h e 20h30. Ingressos: de R$ 19,80 a R$ 350,00.