Breve instante de desnudamento
Ana Marlene em Egoísta, montagem de Juracy de Oliveira em cartaz no Teatro 2 do Sesc Tijuca até domingo (Foto: Ana Raquel)
Encenação dirigida por Juracy de Oliveira, Egoísta transita entre o mascaramento e a transparência. Desde o início fica claro que não se trata de uma história ficcional, e sim da apresentação de uma jornada real, “documentada” no texto de Sara Síntique – a jornada de Josefa Feitosa, que, após décadas de dedicação à família e ao trabalho assistencial no sistema carcerário, proclama a própria independência. Com mais de 50 anos, ela contraria o comportamento social esperado que frequentemente aprisiona as mulheres numa rotina pré-estabelecida e decide se priorizar, saindo sozinha em viagem para desbravar o mundo.
Em cena, Ana Marlene interpreta Josefa. Por um lado, é possível perceber um desejo de diminuição ou até de supressão da distância entre atriz e personagem a partir de prováveis afinidades temática e geracional. Ana Marlene descortina a trajetória de Josefa como se fosse a sua. Em alguns instantes, aproxima-se da plateia, dirigindo-se aos espectadores, o que potencializa o caráter de depoimento pessoal.
Por outro lado, as perucas usadas pela atriz sinalizam composição de personagem. Há um momento impactante na encenação: aquele em que a atriz, silenciosa e diante do espelho, retira a peruca, a maquiagem e o figurino num breve desnudamento. Logo em seguida, coloca peruca diversa. Diferentemente da primeira, mais realista, a segunda peruca, azul, é mais fantasiosa e exuberante, mas refletindo Josefa, que, em determinada fase, pintou o cabelo dessa cor.
Ana Marlene demonstra sintonia com a informalidade da proposta. No entanto, não domina plenamente o registro de interpretação invisível, o ocultamento da construção da personagem. A linearidade atravessa sua atuação, condicionada, pelo menos em parte, por uma dramaturgia uniformizada no tom de relato. Apesar disso, Ana Marlene imprime um à-vontade que contagia a plateia, com a qual se relaciona sem interferências nem obstáculos. Próxima do público, a atriz não envereda por uma interação direta e apelativa.
Juracy de Oliveira concentra evidentemente a montagem na presença de Ana Marlene, mas aborda questões na pauta do dia (o etarismo, as conquistas da mulher negra), como fez em trabalhos anteriores, caso de 12 Pessoas com Raiva. Também lança proposições no espaço reduzido do Teatro 2 do Sesc Tijuca. No palco há poucos elementos cênicos, que, porém, geram certa estranheza em decorrência do afastamento em relação a uma perspectiva prática/utilitária, a exemplo da argola suspensa e do design da cadeira móvel (cenário de Li Coelho e Cris Rodrigues). A iluminação de Aline Rodrigues oscila entre a contenção destinada às passagens de privação emocional e física da personagem e a luz aberta para a plateia.
Mesmo com eventuais ponderações acerca do resultado, Egoísta proporciona o contato com o trabalho de Ana Marlene, atriz com carreira longeva, e suscita articulações instigantes entre os procedimentos de representação e revelação.
EGOÍSTA – Texto de Sara Síntique. Direção de Juracy de Oliveira. Com Ana Marlene. Teatro 2 do Sesc Tijuca (R. Barão de Mesquita, 539). De qua. a sáb., às 19h. Domingo, às 18h. Ingressos: R$ 30,00, R$ 15,00 (meia-entrada) e R$ 7,50 (credencial plena Sesc). Até domingo.