Um basta à perpetuação do racismo
“A pretendida democracia racial
realmente é uma ficção ideológica”
Thales Coutinho
Blackyva (sentada), Jessica Barbosa, Muato, Izak Dahora, Hugo Germano e Diego Ávila (com a câmera): interface entre teatro e audiovisual (Foto: Ligia Jardim)
Viviane da Soledade
Saudade é uma palavra difundida pelo mundo como única no vocabulário brasileiro para exprimir o sentimento de falta, ausência, perda e distância daqueles ou daquilo que amamos. Chega de Saudade é uma canção de Vinícius de Moraes e Tom Jobim lançada na década de 1950 na voz de Elizeth Cardoso, uma das maiores intérpretes do Brasil. Mas a música se torna referência da Bossa Nova somente na voz de João Gilberto, ícone do movimento musical que forjou o imaginário cultural sobre certa noção de brasilidade projetada para o mundo. Uma versão possível para a escolha do nome que cunhou o estilo musical tem a ver com a citação à música São Coisas Nossas, de Noel Rosa, de 1931, que relaciona o samba e “outras bossas” à noção de pertencimento brasileiro. A palavra “bossa” era uma gíria carioca para nomear um jeito, maneira ou modo original e específico de ser brasileiro. A Bossa Nova foi criada como um movimento cultural de superação desse jeito brasileiro popular e acabou por fundamentar uma crítica ao contexto popular ao qual o samba estava inserido como “coisa de preto”, “marginal” e “favelado”.
O espetáculo Chega de Saudade!, d’Aquela Companhia, estreou em São Paulo em 2022 e agora faz uma nova temporada no Teatro Prudential, no Rio de Janeiro, cidade de origem do grupo e da Bossa Nova. Esse é um espetáculo-manifesto que tem como principal premissa dar um basta na apropriação cultural afro-diaspórica para constituir um certo tipo de brasilidade branca à qual insistem em nos definir enquanto brasileiros. Na dramaturgia de Pedro Kosovski, com colaboração e interlocução de Rodrigo de Arruda, a Bossa Nova é o principal mote para estruturar essa crítica social. A dramaturgia dá subsídios fundamentais para a direção de Marco André Nunes apresentar inúmeros procedimentos cênicos que materializem um gradativo basta à melancolia dos tempos remotos de crença na democracia racial que foram tão prejudiciais à luta antirracista. Muitos processos culturais em nome da democracia racial, inclusive, foram ainda mais racistas. Algo digno de atenção em tempos em que o fascismo toma grandiosas proporções no mundo e no Brasil com o recente governo de Jair Bolsonaro. Para estabelecerem uma conexão desse tempo passado com a atual ideologia fascista os personagens fazem menção aos filhos do ex-presidente e se apresentam como o segundo comando da Bossa Nova talvez, até mesmo numa ironia ao álbum musical João Gilberto – O Mito, de 1988, como possível analogia à forma como eleitores de Jair Bolsonaro o chamam. Tudo isso para fazer o espectador entender a conexão possível entre arte e política, além da necessidade de desconfiar dos “mitos”.
Após a abolição da escravatura, a elite branca brasileira criou um elaborado mecanismo racista que ora evidenciava a distinção de raça e ora apagava essa mesma distinção para dar conta do seu projeto civilizatório branco, previsto para o país. Diante de um Brasil que se pretendeu purista, a operação de apagamento histórico e assimilação cultural se tornou uma estratégia para o convencimento da pretensa democracia racial. A época da criação da Bossa Nova se propagava o mito da democracia racial para edificar o projeto modernista de país desenvolvido. Durante anos, grupos de artistas, como o Teatro Experimental do Negro, assumiram a causa prioritária de desconstrução dessa premissa que só enfraquecia as lutas raciais por políticas públicas de reparação histórica. Se “a pretendida democracia racial realmente é uma ficção ideológica”[1] era preciso fabular outras ideologias a favor do movimento negro. Para isso, a questão da visibilidade para os negros e negras é de extrema importância, pois quem não é visto não existe. Saber-se pessoa negra é carregar consigo a responsabilidade de dar a ver as desigualdades sociais para garantir a existência. Há um compromisso ético no campo da visibilidade de não reprodução de determinadas violências para o rompimento do fluxo de exclusão. Para mim o espetáculo Chega de Saudade! é fundamentalmente sobre isso.
A crítica à Bossa Nova estruturada cenicamente neste trabalho, é, a meu ver, principalmente sobre o processo de embranquecimento ao qual fomos submetidos e à apropriação cultural negra como um procedimento para a efetivação desse projeto civilizatório eurocentrado. Nas cenas de Chega de Saudade!, as críticas aos mecanismos racistas consolidados no Brasil são suprimidas nesse movimento musical como mote de inúmeros procedimentos colonizadores nas Artes e na sociedade de maneira geral. A proposta d’Aquela Companhia é radicalizada na composição inédita para o grupo de um elenco exclusivamente negro convidado para contar uma história essencialmente branca do ponto de vista negro. Por meio dos corpos negros dos artistas em cena, que representam personagem historicamente brancos, se evidencia a violenta operação de apagamento dos negros na trajetória da Bossa Nova.
Jessica Barbosa, Blackyva, Muato, Hugo Germano e Izak Dahora (na tela) no espetáculo d’Aquela Companhia (Foto: Ligia Jardim)
O espetáculo se faz crítico ao racismo não exclusivamente por sua dramaturgia, mas pela proposta cênica que vai se estruturando a partir das corporeidades negras e da evocação de suas culturas. A partir disso se apresenta uma fabulação de tudo o que estava por trás do movimento cultural Bossa Nova. A potencialidade da cena está justamente na oscilação entre significado e significante estabelecida pela dramaturgia no jogo com a corporeidade dos artistas. O poder imaginativo que o trabalho tem de confrontar a ficção com a realidade estabelece o seu processo de reparação histórica. Desde 2005 que Aquela Companhia tem perseguido um trabalho relevante de conjugar a dramaturgia como crítica social fabulativa e com potencialidade cênica. Nesse espetáculo é mais evidente a contribuição coletiva para a composição da dramaturgia, uma vez que ambos os componentes da companhia são brancos e as críticas raciais parecem ser construídas a partir das contribuições dos artistas que estão em cena. Por se tratar de um trabalho atravessado pela noção de memória coletiva, fabulação e imaginário social que tem como maior mobilizador a crítica social, os artistas reunidos nos apresentam uma revisão do que o Brasil produziu como “coisa nossa” para a Bossa Nova.
A música como um fio condutor dramatúrgico é um traço marcante de Aquela Companhia. No entanto, Chega de Saudade! é o primeiro espetáculo do grupo que vai abordar a música como tema central da sua dramaturgia. Porém, esse espetáculo não é um musical, apesar de abordar a Bossa Nova, ter uma banda em cena e lançar mão da música como operação dramatúrgica. A primeira cena apresentada ao público é uma música com sonoridades africanas cantada pelo artista Muato anunciando e enunciando a “bossa” negra. Então, o público já é imediatamente inserido no contexto musical negro a partir de referências artísticas negras fundamentais para a compreensão histórica desse país – uma compreensão mais ampla, que considere a influência africana, como os seus batuques e tambores, para o samba, o rap e o funk.
A atriz Polly Marinho se apresenta como “Garota de Copacabana”, duplo deslocamento semântico, uma vez que a garota símbolo da Bossa Nova é de Ipanema e loira. Ela será também a narradora, comentarista, locutora, diretora do filme sobre a Bossa Nova que será gravado naquele instante – que nada mais é do que o espetáculo de teatro a ser apresentado. Polly é a voz de fora da cena estando dentro de cena, é a nota de rodapé da dramaturgia de Pedro Kosovski e Rodrigo de Arruda, é a sintetização de todos os pontos de vista negros desse coletivo para a confrontação da História hegemônica. É por meio dessa personagem-narradora que a crítica social se enuncia da maneira mais direta. Para que o público não crie falsas expectativas, a personagem já informa o posicionamento estético e político do espetáculo em que Tom Jobim e Vinícius de Moraes, criadores da Bossa Nova, serão coadjuvantes, quando na verdade eles sequer aparecem em cena e são reduzidos a ligeiras citações textuais quase como vingança.
A maior parte do espetáculo se passa em Copacabana, na sala do apartamento de Nara Leão, musa da Bossa Nova, que é representada pela projeção de uma janela típica da Zona Sul da cidade. Essa sala é o reduto da Bossa Nova onde se desenrolam as cenas que simbolizam os moldes de vida da burguesia, criadora do estilo musical em voga. Tais códigos sociais para além do cenário são efetivados também pelos figurinos de Fernanda Garcia. Entende-se a Bossa Nova como um movimento anti-popular, em contrapartida à noção de povo e sua arte criada nas ruas pela classe trabalhadora. A Bossa Nova surge no âmbito doméstico, na sala da classe média alta, da Zona Sul do Rio de Janeiro, por pessoas que gozavam da sua branquitude ao mesmo tempo que anunciavam admiração aos negros dos quais queriam se distinguir mais e mais. Segundo a crítica apresentada pelo grupo, trata-se de um movimento cultural que teve a pretensão de criar algo novo a partir dos referenciais populares, mas para superá-los. Buscava-se algo original, “autêntico”, erudito para se diferenciar como produção artística de maior qualidade, usando como base a produção cultural negra sem nenhuma devida citação. Diziam-se a origem do samba como se não houvesse precedente. Essa noção de origem é o cerne do racismo estrutural existente no Brasil, pois nunca é atribuída aos povos colonizados e seus descendentes.
Nessa sala estão Nara Leão, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Sylvia Telles, uma das maiores intérpretes da Bossa Nova, sobretudo das músicas criadas por Tom Jobim e Vinícius de Moraes para Orfeu da Conceição, espetáculo montado pelo Teatro Experimental do Negro em 1954 com direção de Abdias do Nascimento. Esse espetáculo foi emblemático por ter sido a segunda vez que o grupo formado por um elenco de atores e atrizes negros ocupava os palcos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o mais famoso da época. Agora, 69 anos depois do TEN, o espetáculo Chega de Saudade! coloca em cena atores e atrizes negros interpretando personagens historicamente brancos, algo impensável para a época. Na sala-símbolo da elite branca, os personagens cantam a letra “Você é um predador terrível” que vai tomando contornos de um funk apoteótico. Os personagens Nara Leão, interpretado por Blackyva, e Roberto Menescal, interpretado por Hugo Germano, debocham das sonoridades da Bossa Nova como algo pretensamente original.
Hugo Germano, Jessica Barbosa, Blackyva e Muato: o movimento da Bossa Nova em abordagem contrária ao saudosismo (Foto: Ligia Jardim)
O cenário de Ciro Shu e Marco André Nunes projeta ao fundo uma janela que sobrepõe o banheiro e o camarim que só aparecem parcialmente pela projeção da gravação ao vivo das cenas. Além da janela central, projetada, há outra janela como outra perspectiva e angulação diferente do que se vê de um apartamento da classe média alta carioca. A sala-símbolo da branquitude é o lugar escolhido para que o público veja a Bossa Nova – tal como se conhece no imaginário social coletivo, ser gradativamente tensionada, a começar pela presença exclusiva de corpos negros em cena, mas também pelas ácidas críticas ao modo de vida burguês, ao mesmo tempo em que se apresenta uma outra Bossa Nova possível. Assim como o jogo cenográfico é estabelecido por sobreposições, a cena vai apresentando o que está por trás da Bossa Nova tal como se conhece. Dar-se a ver, ouvir e sentir o que poderia ser uma Bossa Nova sem a ocultação dos remelexos e rebolados que têm o quadril como eixo fundamental do corpo e da sensualidade tal como no samba e em toda a contribuição artística afrodiaspórica, que foram apropriadas pelos movimentos culturais das elites brancas desse país sem nenhum crédito.
A projeção triplica as imagens da cena criando um embaçamento da visão do espectador, quase como quem quisesse sugerir à Bossa Nova uma certa alienação sensível da população sobre a representatividade da produção artística afro-diaspórica. Se, em alguma medida, a Bossa Nova dialoga com o samba brasileiro e o jazz norte-americano, ambos movimentos musicais criados por pessoas negras, há um conflito que desemboca na cena em que o cantor americano Louis Armstrong é citado. Então, a sala de um enorme apartamento carioca com “14 metros” de extensão, situada no “berço” da Bossa Nova, torna-se um grande ringue de disputa cultural, mas também de reparação histórica.
Se a Bossa Nova se torna famosa mundialmente pelo seu ritmo, mas também pela capacidade imagética que tem sobre o Brasil para além dele, destacando constantemente o amor, Chega de Saudade! vai abordar a dimensão do amor negro que a Bossa Nova ocultou, segundo a narradora. O espetáculo volta para os espectadores uma importante indagação: de qual Brasil a Bossa Nova estava falando? Quem estava sendo devidamente amado no Brasil na década de 1950 e 1960 em que a população negra se encontrava em profundo abandono governamental, recém-libertos de um regime escravocrata, condicionados ao desemprego, às moradias precarizadas, num país que se pretendia branco e que, por meio de cotas de incentivo aos imigrantes europeus para morar no país se industrializou, se desenvolveu e se embranqueceu. Enquanto a população negra escravizada e seus descendentes foram violentamente negligenciados e abandonados, mas ainda assim sobreviveram e construíram boa parte desse país.
Ao falar de amor branco, matéria-prima da Bossa Nova, por meio do romance de Sylvia Telles, interpretada por Jessica Barbosa, e João Gilberto, interpretado por Izak Dahora, ou da tensão sexual existente entre Nara Leão, interpretada por Blackyva, e Ronaldo Bôscoli, interpretado por Felipe Oládélè, o espetáculo faz o contraponto com a noção de amor negro. O amor para os negros é uma grande pauta de discussão para os movimentos sociais negros desde a Bossa Nova, que foram se alastrando para as futuras gerações – a exemplo da campanha “Reaja à violência racial: beije a sua preta em praça pública”, de 1991, promovida pelo jornal do Movimento Negro Unificado, uma das mais importantes de nossa história, que se tornou um símbolo nacionalmente conhecido pelos grupos antirracistas, conscientizando sobre a importância da afetividade aos negros contra uma cultura racista. Essa campanha nos fez perguntar sobre o que é o afeto negro, tendo em vista que à época, homens e mulheres negras não podiam manifestar o seu afeto publicamente, sob o risco, inclusive, de acarretarem grandes repressões. Na mesma medida, a batucada, o samba e a capoeira foram elementos de censura pública e policial. De que amor a Bossa Nova estava falando quando mais da metade da população não tinha direito à humanidade, logo ao amor?
Polly Marinho: voz de fora/dentro da cena (Foto: Ligia Jardim)
O espetáculo Chega de Saudade! apresenta o avesso da Bossa Nova, o que ela oculta ao longo da História, o que não foi mostrado, mas deturpado, ou mesmo escondido. Os personagens dizem: “Tom (Jobim) rouba tudo”. Enquanto o ator Izak Dahora faz um comentário-denúncia sobre a gravidade da apropriação cultural efetivada pelo seu personagem João Gilberto que admite: “A Bossa Nova na verdade é samba, e só isso”. Está aí o cerne da questão colocada ao longo do espetáculo: o quanto a produção cultural reproduziu o modo colonial hegemônico que tem profundas raízes na nossa sociedade ainda hoje. Na boca do personagem João Gilberto, enunciado por um corpo negro, como se fosse “homem branco”, o ator faz necessariamente de toda a sua fala uma crítica à branquitude. Aquele que se pretendeu “autêntico”, fazendo samba e utilizando a síncope – contratempo na música que se prolonga até o tempo forte, herança africana. A direção musical de Felipe Storino corrobora com a narrativa, a exemplo da música Bim Bom, de João Gilberto, cantada pelos artistas até evidenciar toda a crítica do espetáculo num inteligente jogo com a letra. Ao dizerem: “É só isso meu baião, e não tem mais nada não” de diferentes formas, com tempos distintos e pausas estratégicas, fazem aparecer a crítica à apropriação de culturas negras, mas ridicularizam o minimalista da Bossa Nova, até acelerarem a cadência da música para surgir um grande samba festivo. Procedimento semelhante realizado com Desafinado, também de João Gilberto, em que o ator Muato manipula a palavra “privilegiado” da letra da música, evidenciado uma discussão sobre privilégios tão atual no campo das disputas sociais. Com isso, é dado outro significado à letra de João Gilberto como operação estética quase documental do discurso do espetáculo. Então, a Bossa Nova não pode ter nada de “natural” se em nada representa a maioria da população brasileira da época. Na cena do sarau em que a personagem Nara Leão acusa a Bossa Nova de farsa, devido a desconexão que há entre esse movimento e a vida cotidiana das pessoas, a personagem se nega a cantar a música Lobo Bobo, de Carlos Lyra. A personagem não canta Bossa Nova, mas canta a realidade da favela como uma convocação à plateia para refletir a perpetuação da Bossa Nova ainda hoje. Na tentativa de exposição da mentalidade racista existente no movimento musical Bossa Nova, a narradora critica a letra de Samba da Benção, de Vinícius de Moraes, e seu modo como compreender a mulher, além da propagação da noção de democracia racial agregada à ideia de miscigenação cordial e gloriosa.
Ao final do espetáculo, surge a homenagem à Alaíde Costa, “única negra da Bossa Nova que ficou para trás”, assim como Johnny Alf. A reverência à cantora é uma das cenas mais bonitas do espetáculo, numa apologia ao amor negro entre dois personagens evidentemente apaixonados quando cantam o samba-canção Me deixa em paz, de1952, dos compositores Monsueto e Airton Amorim. Ouvir a letra “Se você não me queria não deveria me procurar. Não deveria me iludir, nem deixar eu me apaixonar. (…) Você arruinou a minha vida. Me deixa em paz” depois de assistir a quase todo o espetáculo gera inevitável a correlação entre a cena e a demanda urgente de amor preto e à necessidade de pessoas que se entendam como não negras nesse país se engajarem na luta antirracista. Essa homenagem é movida pelo amor e admiração aos negros. Essa é uma resposta ao racismo que perpetua ainda hoje e corrobora com a morte da população negra, pois é sobre isso que se trata. Para mim, o espetáculo é uma operação teatral de desilusão da população, justamente em um “espaço” criado para a ficção – que é o teatro. Mas a fabulação imaginativa é um direito das pessoas negras ainda não garantido e muito usufruído pelas pessoas brancas para forjar a inferioridade de uns em detrimento de outros. A ficção sobre dados históricos é uma possibilidade de fabular mundos possíveis para a população negra, ao mesmo tempo em que permite a retificação do passado. A história contata de uma outra maneira, sobretudo de pontos de vistas antirracistas, é a possibilidade de extinguimos a monocultura que persiste nesse país. Nesse espetáculo, a crítica radical a um movimento cultural ainda muito querido, que forjou muitos imaginários, que se constituiu como orgulho nacional, requer coragem. Mas não deve ser compreendido, a meu ver, como o risco de cancelamento, e sim como uma oportunidade de nos compreendermos enquanto sociedade e não permitir mais que determinadas operações racistas em nome da arte aconteçam novamente. Espero que a plateia saia do teatro ávida por assistir a outros espetáculos em que os corpos negros estejam na centralidade das suas questões possibilitando assim a sua aparição como sujeitos da história.
[1] Frase do antropólogo Thales Coutinho referenciado por Abdias Nascimento, fundador do TEN, para respaldar uma das suas maiores militâncias durante todo o seu ativismo que era a desarticulação da crença na igualdade racial. COUTINHO apud NASCIMENTO, 2016. p. 53.
Chega de Saudade! – Texto de Pedro Kosovski. Direção de Marco André Nunes. Com Blackyva, Felipe Oládélè, Hugo Germano, Izak Dahora, Jessica Barbosa, Luiza Loroza, Muato e Polly Marinho. Teatro Prudential (R. do Russel, 804). De sexta a domingo, às 20h. Ingressos: R$ 60,00 e R$ 30,00 (meia-entrada).