Ecos do antigo teatro de mercado
Rogério Fróes, Renato Rabelo, Debora Olivieri e Marcos Breda em O Dia em que Raptaram o Papa, em cartaz no Teatro Clara Nunes (Foto: Gustavo Bakr)
Um projeto como o de O Dia em que Raptaram o Papa preenche determinadas lacunas, tanto em relação ao dramaturgo João Bethencourt, menos encenado do que seria desejável, quanto a um modelo de teatro de mercado que também se tornou cada vez menos constante no Brasil devido aos custos de produção. Afinal, o espetáculo reúne dez atores (número nada desprezível nos dias de hoje) que transitam por uma cenografia distante das soluções funcionais, econômicas, que passaram a imperar nos palcos.
Nessa peça, João Bethencourt extrai humor dos quiproquós decorrentes do inusitado rapto de um Papa, Alberto IV, por um taxista judeu, Samuel Leibowitz. O diretor Tadeu Aguiar manteve acertadamente o contexto original (o Brooklyn novaiorquino de décadas passadas, a julgar por utensílios como a televisão e a geladeira), mas parte do elenco insere dispensáveis cacos referentes à contemporaneidade (facebook, youtube, 3D e a quase inevitável menção à passagem do Papa pelo Brasil).
Estas concessões evidenciam a dificuldade dos atores em alcançar o timing próprio da peça de Bethencourt. O ritmo acelerado que a direção imprimiu na montagem não disfarça tal limitação. Se Rogério Fróes surge adequadamente contido como o Papa do título, Marcos Breda, Debora Olivieri e Renato Rabelo investem em composições mais carregadas – e os dois primeiros conseguem certo resultado (em que pese a linha algo exagerada de Breda). Nos papéis dos filhos do casal central, Renan Ribeiro está over e Sabrina Miragaia não chega a apresentar uma personalidade cênica mais destacada. Silvio Ferrari interpreta o Cardeal O’Hara com as principais características realçadas no texto. Fábio Bianchini, Bruno Torquato e Valter Rocha dão vazão a personagens muito circunstanciais, destituídos de nuances.
Entretanto, O Dia em que Raptaram o Papa é embalado por uma produção competente. A cenografia de Edward Monteiro reproduz o interior da casa do taxista judeu, valorizando tonalidades suaves. Uma recriação realista, tensionada apenas pelas janelas suspensas e pela opção da comida como elemento imaginário. Os figurinos de Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo enveredam, de forma assumida, pelo excesso por meio de tecidos listrados e quadriculados. A iluminação de Rogério Wiltgen segue a tendência da luz aberta de comédia. A trilha sonora de Tadeu Aguiar, com melodias judaicas, fornece acompanhamento bastante simpático à ação. Os vídeos de Paulo Severo potencializam as imagens do noticiário televisivo assistido pela família Leibowitz.
Apesar das restrições, a encenação de O Dia em que Raptaram o Papa traz à tona um padrão de teatro comercial que vigorou com sucesso em décadas anteriores (a peça foi montada na primeira metade dos anos 70, com Eva Todor, André Villon e Afonso Stuart no elenco, e revisitada ocasionalmente depois), mas escasseou ao longo do tempo, dando lugar a um perfil de espetáculo bem mais descartável.
carmattos
4 de agosto de 2013 @ 12:30
Beleza de resenha, detalhada, contextualizada e ao mesmo tempo sintética.