O real estilizado
Dida Camero, Rogério Garcia, Ana Sant’Ana e Leandro Baumgratz em Um Dia Qualquer (Foto: Rodrigo Turazzi)
Julia Spadaccini reúne, em Um Dia Qualquer, personagens que desejam promover uma suspensão do real, de modo a quebrar com a evolução previsível de seus cotidianos. A professora, a enfermeira, o advogado e o ator se encontram, ao acaso, num banco de praça e a maior habilidade da autora está justamente no desenvolvimento de um texto destituído de uma história, pelo menos a partir de uma perspectiva convencional, e de uma conexão prévia entre os personagens, ainda que a existência destes nem sempre se revele interessante.
O diretor Alexandre Mello tem intimidade com a dramaturgia de Spadaccini (realizou como ator Na Geladeira e encenou Quebra Ossos) e, no caso específico da montagem de Um Dia Qualquer, faz bom uso da arena do Sesc Copacabana através, por exemplo, do aproveitamento do espaço destinado ao público para demarcar entradas de personagens. Além disso, Mello opta por certa estilização que gera apreciável tensão com o formato realista. Esta escolha aparece no registro interpretativo dos atores, propositadamente um pouco mais expansivo do que a naturalidade exigiria, sem, porém, enveredar pelo exagero. Anna Sant’Anna, Leandro Baumgratz, Rogério Garcia e, em especial, Dida Camero sustentam bem essa linha proposta.
A construção estilizada também transparece nas demais criações da montagem. A cenografia sintética de Daniele Geammal é composta pelo banco, elemento determinante no texto, e por uma espécie de tapete espelhado. Os figurinos de Ticiana Passos parecem tão-somente vestir os personagens de acordo com as suas características principais e definições profissionais, mas contam com componentes que suscitam estranhamento ou soam algo destoantes, como a meia vermelha que se contrapõe à formalidade do traje do advogado e o sapato brilhoso da enfermeira fascinada por O Mágico de Oz. A iluminação de Renato Machado desponta como mais um quesito que coloca em tensão a abordagem realista.