Símbolo de um teatro esquecido
Johnny Massaro e Stella Maria Rodrigues na revisita a O Tempo e os Conways, de J.B. Priestley (Foto: Guga Melgar)
Uma montagem como a de O Tempo e os Conways, em cartaz na Casa da Gávea, preenche uma lacuna na cena do Rio de Janeiro num momento em que a chamada produção de mercado se divide basicamente entre os musicais (de perfis variados, tendendo ao grandioso) e os espetáculos funcionais (priorizando a comédia) que buscam suscitar identificação mais imediata no público e seguem um formato despojado. Uma opção que viabiliza tanto a alta rotatividade dos trabalhos enfileirados num mesmo espaço, característica frequente nos dias de hoje, quanto a possibilidade de excursionar pelo país.
Esse projeto de O Tempo e os Conways traz à tona um modelo de teatro mais praticado em décadas passadas do que agora. Um teatro calcado no investimento num certo repertório (a peça de J.B. Priestley rendeu uma encenação marcante do Grupo Tapa, em 1985), que desembarcava no palco revestido de cuidados de produção evidenciados na reconstituição da atmosfera de uma determinada época. É este capricho que a diretora Vera Fajardo procura imprimir numa montagem comportada e destituída de ambições autorais.
A Casa da Gávea “se transforma” na propriedade dos Conways através de uma configuração que estende a decoração para além do espaço de apresentação. Os espectadores, dispostos diante da sala da família, veem os personagens irrompendo de cômodos ou rumando para outros. A cenografia de Mirella Maniaci revela bem-vinda preocupação em insinuar a continuidade da casa ao prolongar o papel de parede para fora do campo de visão do público. O alargamento da ambientação, porém, torna o espaço um pouco menos concentrado e aconchegante. E como não há mais separação entre o hall da Casa da Gávea e o local de apresentação, os atores são obrigados a obedecer a um código questionável: aqueles que chegam à casa dos Conways precisam descer – neutros e à vista da plateia – as escadas de entrada do teatro para, então, subi-las, imbuídos dos personagens, anunciando a própria chegada.
Seja como for, o esmero atravessa o espetáculo, realçado pelos figurinos de Paula Accioli, pelas delicadas gradações da iluminação de Paulo Cesar Medeiros e pela trilha sonora de Kaleba Villela (que toca ao vivo durante a sessão) e Vera Fajardo, com versões a cargo de Claudio Botelho. São componentes que fornecem satisfatória moldura para a história da família Conway, flagrada em fases opostas: os tempos de euforia, no pós-Primeira Guerra Mundial, quando o futuro soa promissor, e a derrocada dos sonhos, na segunda metade da década de 30, quando todos contrastam a enorme distância entre as aspirações juvenis e a dura realidade. Mais do que sublinhar esse descompasso, J.B. Priestley frisa, no belo final do segundo ato, que cada um é portador de uma multiplicidade. Por isto, o instante no qual se está inserido não é necessariamente definitivo, por mais que pareça. A habilidade de Priestley também se manifesta na estrutura da peça, que lança a galeria de personagens no primeiro ato, mostra a frustração das expectativas no segundo (quase 20 anos depois) e retoma no terceiro o contexto do primeiro de modo a levar o público a reencontrar os Conways, mas já sabendo que eles, apesar de luminosos, não conseguirão concretizar os seus desejos.
O maior problema desse novo O Tempo e os Conways reside na condução do elenco. Falta a Stella Maria Rodrigues o porte da Sra. Conway, ainda que a atriz tenha presença adequadamente contundente nas passagens de confronto no segundo ato. Os demais atores oscilam entre a dificuldade de traçar desenhos mais individualizados (em especial, as atrizes no primeiro ato) e o esforço em compor personagens em idade mais avançada (no segundo ato). De qualquer maneira, sobressaem Julia Fajardo e Johnny Massaro, com atuações dotadas de vivacidade, e Janaína Moura, que realiza bem o contraponto entre a personagem nos tempos de Priestley.