Uma casa repleta de descompassos
O elenco de A Casa não Sabe, trabalho de Diogo Liberano: poucas apresentações
Logo no início de A Casa não Sabe é ressaltada a distância entre a lembrança da casa da infância e a impressão decorrente do retorno a esse espaço afetivo. A nova encenação de Diogo Liberano – que está sendo apresentada apenas durante essa semana numa casa em Botafogo – evidencia a sensação de descompasso que atravessa os três textos que compõem o trabalho: Com Legendas, de Rafael Gomes, Não h(ámar) aqui, de Rodrigo Audi, e Como Encontrar uma Pessoa que não sabemos quem é num Lugar que não sabemos onde está, de Keli Freitas.
Os personagens externam deslocamentos – seja uma atriz confrontada com inconveniente legendagem enquanto fala, seja através da reduzida integração entre filha e mãe ou ainda por meio de localizações geográficas muito diferentes (marcadamente, o contraste entre a paisagem da Zona Sul e a da Tijuca e dos bairros do subúrbio carioca). Os textos oscilam, em medidas variáveis, entre um tom coloquial e despojado – que, em certos momentos, denuncia uma falta de refinamento dramatúrgico – e citações clássicas.
Em determinado instante surge uma referência a A Gaivota, de Anton Tchekhov, autor que destacou a ausência de elo entre personagens que parecem viver em mundos diversos, sem sintonia, artificialmente reunidos no mesmo tempo. Pode-se talvez traçar ligação entre a circunstância proposta em Com Legendas e no solo Eu Não, de Samuel Beckett, no qual uma boca, como que recortada do resto do corpo, fala desvinculada do movimento do pensamento. Entretanto, no caso do texto de Rafael Gomes, a legenda justamente realça o que a personagem sente, mas não deseja expressar, formando uma espessura algo previsível com o que é dito.
Os espectadores são convidados a transitar pela casa, um espaço a partir do qual o “tema” da discrepância entre memória e realidade vem à tona. A casa é tratada mais como lugar metafórico do que enfocada de maneira realista, perspectiva reforçada pela ambientação (direção de arte) de Antônio Guedes e pela iluminação de Fernando Nicolau. Os atores – Adassa Martins, Alonso Zerbinato, Caroline Helena, João Marcelo Iglesias, Laura Nielsen e Teo Pasquini – aderem a registro estilizado, a julgar pela movimentação algo coreografada, e revelam apreciável acento cômico em Como Encontrar uma Pessoa que não sabemos quem é num Lugar que não sabemos onde está, o melhor dos textos. É pena que A Casa não Sabe tenha tão poucas apresentações programadas, característica que está se tornando frequente no teatro do Rio de Janeiro, cada vez mais tomado por feitos de duração meteórica.