Uma atriz grandiosa e incansável
Uma atriz que realizou feitos marcantes no teatro, no cinema e na televisão, que integrou espetáculos politicamente engajados e outros voltados à boa tradição do mercado, que acumulou experiência no terreno da dança, que quase trabalhou com um dos maiores diretores do mundo… Dona de uma trajetória bastante extensa, Eva Wilma morreu no último sábado, aos 87 anos, mas sua contribuição artística atravessará o tempo.
O início da carreira já foi intenso. Aprimorou-se no balé com Maria Olenewa, estreou no cinema em pequena participação em Uma Pulga na Balança (1953), de Luciano Salce, produção da Vera Cruz, e fez parte dos primeiros anos do Teatro de Arena, companhia fundada por José Renato, em encenações como Esta Noite é Nossa, O Demorado Adeus, Judas em Sábado de Aleluia e Uma Mulher e Três Palhaços – a experiência com o balé foi útil nessa montagem.
Estourou na televisão em Alô, Doçura, série da TV Tupi que permaneceu dez anos no ar, ao lado do primeiro marido, John Herbert. O programa surgiu a partir de um convite de Cassiano Gabus Mendes, profissional que revolucionou a TV e um dos seus maiores parceiros artísticos ao longo do tempo, tendo em vista sua constância em novelas de autoria dele, como Plumas & Paetês, Elas por Elas, Que Rei sou eu? e O Mapa da Mina.
No início da década de 60, outro vínculo determinante em seu percurso: com o encenador Antunes Filho. Foi dirigida por ele em Sem Entrada, Sem mais Nada, A Megera Domada (substituindo Irina Grecco) – montagens do Pequeno Teatro de Comédia –, Black-Out – peça em que recebeu elogios por sua minuciosa interpretação de uma personagem cega – e Esperando Godot – em elenco inteiramente feminino, no qual dividiu o protagonismo com Lilian Lemmertz. A atriz também foi conduzida por encenadores particularmente representativos do começo do teatro moderno no Brasil, como Ziembinski (em O Santo Inquérito), Adolfo Celi (em Boeing-Boeing) e Gianni Ratto (em Desencontros Clandestinos).
Eva Wilma demonstrou perfil combativo durante o período mais conturbado da ditadura, a julgar por sua presença em iniciativas de protesto contra o autoritarismo em vigor e em montagens como Ato sem Perdão, adaptação de Antígona, tragédia de Sófocles, com direção de José Renato. Participou ainda do movimento pela Anistia. E evocou, em obras futuras, os duros anos do regime militar, a exemplo de suas atuações no filme Feliz Ano Velho (1987), versão de Roberto Gervitz para o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, e na novela Roda de Fogo, de Lauro Cesar Muniz.
Por pouco não ingressou em Hollywood para trabalhar com Alfred Hitchcock. Passou por um processo de seleção em Los Angeles para um papel em Topázio (1969), mas as filmagens foram adiadas e o cineasta acabou escolhendo outra atriz. Não foi, de qualquer modo, a única jornada em terra estrangeira, a julgar pela contracena, tempos depois, com Eunice Muñoz, em Portugal, em Madame, espetáculo apresentado no Brasil.
Apesar de não ter concretizado o desejo de atuar na produção de Hitchcock, o cinema não ficou esquecido em sua trajetória, retratada em livro de Edla Van Steen. Afinal, integrou os elencos de filmes de diretores como Roberto Farias – Cidade Ameaçada (1960) –, Walter Hugo Khoury – A Ilha (1963) – e Luís Sergio Person – São Paulo S/A (1965).
Com projeção conquistada na televisão, Eva Wilma protagonizou uma novela emblemática: Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro, interpretando as gêmeas Ruth e Raquel, duplicidade viabilizada de maneira artesanal na época. A atriz participou de outras novelas de Ivani, como A Barba Azul e A Viagem. Em Mulheres de Areia formou par com Carlos Zara, que conhecia dos teleteatros, e estabeleceu com ele união inquebrantável na vida e na arte – atuaram juntos nas montagens de Desencontros Clandestinos, Uma Cama para Três, Quando o Coração Floresce, O Preço, Love Letters (Cartas de Amor), na novela Pátria Minha, de Gilberto Braga, e no seriado Mulher, dirigido por Daniel Filho.
Firmou elos na TV tanto com autores – como Aguinaldo Silva, em Pedra sobre Pedra e A Indomada, um dos seus grandes sucessos – e diretores – caso de Luiz Fernando Carvalho, em novelas como O Rei do Gado e Esperança, ambas de Benedito Rui Barbosa, e na minissérie Os Maias, adaptação da célebre obra de Eça de Queiroz a cargo de Maria Adelaide Amaral, autora de um texto que rendeu prêmios a Eva Wilma no teatro, Querida Mamãe.
Cabe mencionar outras importantes ligações profissionais: com os atores Paulo Autran, Gianfrancesco Guarnieri e Raul Cortez e com o dramaturgo e diretor Flávio Marinho, que a conduziu nas montagens de Love Letters (Cartas de Amor), O Manifesto e Um Dia das Mães – texto de sua autoria. Nos últimos anos participou da encenação de Azul Resplendor, dirigida por Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas, e dividiu o palco com Nicette Bruno e Nathalia Timberg nas temporadas paulistana e carioca de O que terá acontecido a Baby Jane?, espetáculo da dupla Charles Möeller/Claudio Botelho fora do gênero musical. Homenageada no Prêmio Cesgranrio de Teatro, Eva Wilma pertenceu a uma incansável e especialmente consistente geração de intérpretes.