Trama familiar sustentada por papéis rígidos
Alexandre Varella, Carla Ribas e Thiago Magalhães em Folhas de Vidro (Foto: Alvaro Riveiros)
Folhas de Vidro, montagem de Alexandre Varella e Michel Blois para a peça do dramaturgo britânico Philip Ridley, atualmente em cartaz no Teatro Poeira, se impõe como um projeto de resistência ao demonstrar filiação ao teatro de texto. Há uma disposição em não ceder ao vapt-vupt da contemporaneidade, em investir na reconciliação do espectador com a palavra, por meio de uma peça dotada de determinado potencial de sedução, evidenciado nas revelações descortinadas na segunda metade.
Essas revelações, trazidas à tona após a lenta e gradual apresentação de um quadro sentimentalmente árido, realçam uma trama familiar marcada por papéis estabelecidos de maneira rígida. As tentativas de alteração desse quadro esbarram em defesas tenazes, perceptíveis no comportamento daquele que foi favorecido na rearrumação emocional realizada depois de experiências trágicas.
Assombrados pela morte do pai – figura ausente, mas mencionada ao longo de toda a peça –, ocorrida há bastante tempo, Steven e Barry lidam com a falta de formas distintas: o primeiro segue em frente vestindo a capa de homem bem-sucedido, enquanto que o segundo externa forte instabilidade. Nada, porém, é como parece, frisa Ridley ao desconstruir imagens prontas, fabricadas. Liz, a mãe dos irmãos, e Debbie, a esposa de Steven, também têm considerável parcela de contribuição (principalmente, Liz) no jogo de dissimulação, de esforço para camuflar a verdade.
O contraste entre Steven e Barry é destacado nas interpretações de Alexandre Varella e Thiago Magalhães e suavizado no decorrer da encenação. Em ambos os trabalhos, o corpo desponta como instância denunciadora de seus estados de alma. Como Steven, Varella surge contido, mas a crescente desestabilização do personagem extravasa para o corpo – em especial, para a máscara facial. Como Barry, Magalhães aposta em registro passional, catártico, abertamente exteriorizado, procurando expor a verdade por meio de voz contundente que, contudo, não evita que sua imagem se fragilize em dado instante. Carla Ribas encontra a justa medida da mãe comprometida com a perpetuação de uma estrutura ilusória. Cecília Hoeltz sustenta o clímax dramático entre Debbie e Steven.
Os climas afetivos do texto ganham correspondência, mas sem reiteração, nas opções formais da encenação. A cenografia de Elsa Romero sugere certa claustrofobia por meio de uma concepção visual em que imperam tons fechados e mobiliário de aparência algo inóspita. A iluminação de Fernanda Mantovani valoriza a atmosfera soturna, com expressiva solução na cena dos irmãos no sótão. Os figurinos de Ticiana Passos localizam o perfil de cada personagem no mundo. A direção musical de Marcello H., inserida de modo discreto, potencializa a opressão que atravessa os habitantes do universo de Ridley.