Entre o compromisso com a realidade e o jogo da ilusão
Vilma Melo e Natália Dill em Fulaninha e Dona Coisa, montagem de Daniel Herz em cartaz no Teatro Sesi Firjan (Foto: Daniel Segin)
Nessa nova montagem de Fulaninha e Dona Coisa, em cartaz no Teatro Sesi Firjan, Daniel Herz apresenta uma releitura atualizada da comédia de costumes de Noemi Marinho, encenada com sucesso no Teatro Posto 6 no início da década de 90. A proposta fica evidenciada na determinação de destacar a passagem dos anos por meio da inversão dos estereótipos tradicionais dos perfis da patroa – interpretada por uma atriz negra – e da empregada – papel destinado a uma atriz branca. Essa abordagem camufla parcialmente o envelhecimento do texto, a julgar por personagens cujas existências giram em torno dos homens (o ex-marido da patroa, o namorado da empregada).
Ao mesmo tempo em que busca estabelecer sintonia com questões pertinentes aos dias de hoje, a encenação mantém ambientação que evoca décadas anteriores, a exemplo do emblemático elemento do cubo mágico, importante componente da cenografia de Fernando Mello da Costa. A concentração de épocas – a sugestão do passado recente e o elo com discussões do aqui/agora – tensiona, em alguma medida, o realismo convencional.
O diretor se distancia, de modo ainda mais marcante, do real ao afirmar o teatral através de uma montagem que pisca constantemente para o espectador, lembrando-o de sua presença na sala de teatro – em dado instante, uma das atrizes sublinha que aquilo a que o público está assistindo é teatro. A teatralidade é realçada pelo objeto do cubo mágico, pelos figurinos inventivos (de Clívia Cohen) que se transformam ao longo da sessão (uma bolsa vira avental e vice-versa) e por movimentos corporais expandidos para além dos limites da fisicalidade “natural”.
Se por um lado essa montagem de Fulaninha e Dona Coisa sinaliza um desejo de frisar proximidade com o real por meio da denúncia aos clichês de representação sócio-econômica, por outro potencializa o ilusório do acontecimento teatral. Essa espécie de paradoxo talvez não se configure como um problema em si, mas gera indefinição de registro, perceptível nos desempenhos das atrizes: Vilma Melo transmite certa credibilidade no papel da patroa, apesar do trabalho estilizado de corpo e voz chamar atenção para o fato de que se trata de uma atuação e não tão atada aos princípios realistas, enquanto Natália Dill permanece mais próxima do plano da composição, de uma interpretação que ganha a cena como jogo lúdico, menos preocupada com a veracidade. Entre as duas, Tiago Herz imprime considerável dose de vibração ao personagem do namorado.