Dura passagem para a maturidade
Vera Fischer e Pierre Baitelli em Doce Pássaro da Juventude (Foto: Aline Macedo)
Vera Fischer empresta seu glamour a Alexandra Del Lago, atriz que entra em crise ao ser confrontada com as evidências da passagem do tempo estampadas em sua própria imagem. Chance Wayne também sofre com a perda de um ideal de juventude. Aspirante a ator, ele, antes de completar 30 anos, não vive mais o auge da beleza e tenta alcançar o estrelato a qualquer custo. Esses personagens de “Doce Pássaro da Juventude” – peça de Tennessee Williams que ganha montagem dirigida por Gilberto Gawronski – percorrem uma região (o Sul dos Estados Unidos) assolada pelo racismo e viajam até a cidade de St. Cloud norteados por motivações diversas: enquanto ela segue sem rumo, impulsionada pela necessidade de fugir dos holofotes, ele conserva a esperança de retomar a relação com a antiga namorada, Celeste Finley.
Na interpretação de Vera Fischer, os conflitos da atriz em processo de desestabilização são suavizados. Pierre Baitelli procura projetar, em registro enérgico, a crescente agonia de Chance diante da frustração de suas ambições. O destaque do elenco, porém, é Mario Borges, que imprime autoridade como Boss Finley, o político preconceituoso decidido a afastar a filha, Celeste, de Chance. Os outros atores apresentam rendimentos mais modestos. Ivone Hoffmann, Pedro Garcia Netto e Clara Garcia realçam particularidades de seus personagens – respectivamente, a solidariedade de Tia Nonnie, a agressividade de Tom Junior e a exuberância de Miss Lucy – em atuações corretas, mas não marcantes. Bruno Dubeux e Juliana Boller fixam certas características – a contundência da primeira aparição de George Scudder e o derramamento emocional de Celeste – em trabalhos sem muitas nuances. Renato Krueger, como Stuff, e Dennis Pinheiro, como o Manifestante, têm menos oportunidades em suas pequenas participações.
Há uma linearidade que atravessa não só boa parte das interpretações como todo o espetáculo, que carece de atmosfera, insinuada apenas na intervenção sutil, pontual, da trilha sonora de Alexandre Elias. Seja como for, existem outras propostas artísticas dignas de nota, como determinadas transições da iluminação de Paulo César Medeiros, valorizando momentos reveladores dos personagens – em especial, quando Alexandra lembra do instante em que não suportou a reação do público diante de seu rosto no cinema e quando Boss, ao lado da filha, traz à tona o último dia de vida da esposa. O cenário de Mina Quental e Ateliê na Glória – composto por um grande espelho, que sintetiza as obsessões de Alexandra e Chance por suas imagens, e uma cortina azul evocativa do mar (a natureza é elemento importante no texto de Williams) – e os figurinos de Marcelo Marques priorizam cores neutras, com exceção do último vestido usado por Vera Fischer, que contrasta, em alguma medida, com a sobriedade do conjunto.
Apesar das restrições ao resultado e do corte de personagens menores da peça (Marcos Daud assina a adaptação do original), há um esforço de produção em torno da montagem de “Doce Pássaro da Juventude” que não cabe desconsiderar.
Crítica publicada no caderno Eu do jornal Valor Econômico no dia 10/11/2017.