Oportuna inversão de valores
Alexandre Nero em O Grande Sucesso (Foto: Priscila Prade)
O autor e diretor Diego Fortes problematiza a noção tradicional de sucesso ao valorizar o que costuma ser desprezado. No espetáculo, que encerra temporada no próximo domingo no Teatro do Leblon – Sala Marília Pêra, os personagens são atores que desempenham pequenos papéis numa montagem. A circunstância torna-os pouco prestigiados dentro da hierarquia da produção. A ação ocorre nos bastidores, nos momentos em que os atores aguardam para fazer rápidas aparições na tal montagem. Há, portanto, uma inversão de prioridades: Fortes destaca o espaço da coxia em detrimento do de apresentação.
O sucesso, como entendido no senso-comum, é descrito como ilusório. O primeiro ator do espetáculo da ficção, aquele que todos temem, não passa de um boneco, de uma imagem enganosa. Independentemente disso, ele não deverá sobreviver na memória coletiva, em geral curta, por maior que seja sua notoriedade no aqui/agora. Ator midiático, mas responsável por carreira que começou antes do alcance de uma projeção pública, Alexandre Nero acumula, em O Grande Sucesso, as funções de ator e interlocutor artístico e parece, por meio desse trabalho, procurar desconstruir a figura do ator famoso como alguém especial. Não por acaso, o espetáculo realça as presenças de profissionais normalmente invisíveis, mas determinantes ao acontecimento teatral: os contrarregras.
O espetáculo ainda critica a visão lugar-comum de sucesso por meio de uma suspensão de expectativas em relação ao musical. Fortes caminha em sentido contrário ao do perfeccionismo ao manter na encenação erros, interrupções, tombos, acidentes de percurso, reconstituindo com certa fidelidade o ambiente algo caótico dos bastidores de um teatro, tarefa favorecida pela cenografia de Marco Lima. Assina um espetáculo um tanto esgarçado, disperso, distante de um padrão de acabamento. Há um afastamento de soluções habituais, tendência sintetizada nos figurinos heterogêneos de Karen Brusttolin.
A montagem da qual os personagens participam (aquela que o público não vê, na medida em que toda a ação se concentra nos bastidores) também foge ao convencional. Quando os personagens comentam que a montagem na qual estão envolvidos é ininteligível, pode-se aventar uma eventual defesa de Fortes de um formato de teatro mais linear, mais acessível a uma ampla faixa de espectadores. No entanto, essa impressão se dissipa, pelo menos em parte, justamente pela estrutura intencionalmente imperfeita de O Grande Sucesso, que ganha densidade ao longo da encenação, a julgar por instantes isolados (como o que marca o final da montagem ficcional, emoldurado pela iluminação de Nadja Naira) e pelos temas incômodos levantados no texto.
Talvez a estrutura solta esteja ligada ao fato de o espetáculo lançar colocações sobre a vida que, pela dificuldade de serem respondidas, permanecem mergulhadas em abstração. Fortes aborda o tempo no teatro e na vida, ambos limitados, mesmo que o primeiro seja bem mais breve que o segundo. Conjuga arte e vida ao revestir a encenação de artifícios não com o intuito de ostentá-los, mas de denunciar a falsidade da atuação. O registro dos atores é, por vezes, estilizado. O encenador, porém, não estabelece uma conexão direta entre o inverso dessa opção – o apagamento da representação – e a verdade interpretativa. Um bom exemplo é o trabalho de Rafael Camargo, que tira partido cômico de um acento melodramático sem se reduzir a uma composição esvaziada, meramente formal. Fortes questiona o teatro como terreno da mentira.