Fluxo intencionalmente interrompido
Há conexões evidentes entre o novo espetáculo do Grupo Galpão, Outros, em cartaz no Sesc Ginástico, e o trabalho anterior, Nós. Ambos foram concebidos pelo mesmo encenador, Marcio Abreu, em parceria com os atores do coletivo; sugerem ligação com as relações travadas entre os integrantes da companhia por meio de uma estrutura de repetições; e trazem Teuda Bara como uma figura de destaque em seu deslocamento dentro do conjunto dos atores.
Não significa, porém, que Outros se limite a reiterar as opções artísticas de Nós. Há um interessante desafio na dramaturgia – assinada por Eduardo Moreira, Marcio Abreu e Paulo André –, composta por diálogos desimportantes, descartáveis, banais, como se o objetivo fosse chamar atenção para todo tipo de conversa inevitável dentro do cotidiano, para as falas viciadas que acabam se repetindo ao longo do tempo, principalmente dentro de uma companhia tão longeva quanto o Galpão, que já dura mais de 35 anos. Em outros momentos, fica patente uma notada dificuldade em expressar com clareza aquilo que se quer dizer, em realmente transmitir alguma ideia. A falta de disponibilidade para a escuta completa o quadro de incomunicabilidade. A ausência de relevância ou de concretude do que é falado ganha realce na iluminação de Nadja Naira, que em várias passagens deixa os atores intencionalmente no escuro – em especial, quando descem até a plateia –, inclusive interrompendo falas. A luz também valoriza bastante a movimentação dos atores, rumo à borda do palco, na cena final.
A abertura de possibilidades de sentidos na interação do espectador com a montagem é simbolizada pela cenografia de Marcelo Alvarenga (Play Arquitetura). Os figurinos de Paulo André e Gilma Oliveira combinam tons neutros com estampas florais – visual destoante apenas na roupa de Teuda Bara. O aprimoramento dos atores do Galpão no manejo de instrumentos é comprovado na espécie de show de sonoridade rascante (trilha de Felipe Storino) que abre o espetáculo. O elenco se mostra integrado, ainda que demonstrando diferentes níveis de apropriação da proposta. Lydia Del Picchia e Júlio Maciel se revelam particularmente sintonizados e Teuda Bara reafirma, através de voz firme e capacidade de reagir às circunstâncias do instante, presença personalizada. Em todo caso, Antonio Edson, Beto Franco, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Paulo André e Simone Ordones estabelecem vínculo com a linguagem descortinada em cena.
Em Outros, o Grupo Galpão segue se valendo de procedimentos abstratos para abordar elos atravessados por conflitos, buscando, contudo, certa renovação na construção dramatúrgica e cênica.