Questões éticas em cena asséptica
Isio Ghelman e Gabriel Lara em O Garoto da Última Fila (Foto: Daniel Chiacos)
Há uma distância entre o modo como os fatos são descritos por Cláudio nas redações que apresenta sob a forma de capítulos ao professor Germano e os acontecimentos propriamente ditos. O Garoto da Última Fila acentua o inevitável: a falta de acesso à “realidade pura”, sempre filtrada pela subjetividade de quem a vivencia. Uma parcialidade ainda mais assumida nessa peça de Juan Mayorga, centrada no ponto de vista específico de um personagem que propõe uma criação literária, uma ficcionalização do real. O envolvimento do professor com o projeto transcende cada vez mais a simples disposição para assessorar o aluno, que escreve sobre os integrantes da família do amigo, Rafael, com os quais convive com constância crescente. Germano se identifica com Cláudio: como ele, sentava na última fila da sala de aula e tinha aspirações a escritor, frustradas ao longo do tempo.
Com tradução de José Wilker, que procura sintonizar a peça com o espectador brasileiro, a montagem dirigida por Victor Garcia Peralta, que encerra temporada hoje no Teatro das Artes, evidencia eventuais inverossimilhanças. Exemplos: a esposa de Germano fica escandalizada desde o primeiro momento com a redação de Cláudio, antes de uma questão ética relacionada à maneira como expõe a família do amigo vir à tona. Também não soa totalmente convincente a decisão de Germano de roubar uma prova de matemática para ajudar Cláudio a prolongar sua estadia na casa de Rafael. São impressões – em especial, no primeiro caso – suavizadas na versão cinematográfica da peça de Mayorga (o filme Dentro da Casa, de François Ozon, de 2012). As restrições, porém, não anulam a habilidade do dramaturgo na intercalação entre realidade e ficção e entre diferentes planos (o elo entre Germano e Cláudio, o convívio de Cláudio com a família de Rafael, os embates entre Germano e a esposa).
Victor Garcia Peralta investe numa cena asséptica. As concepções da cenografia e da iluminação deixam uma certa sensação de estatismo. O cenário de Miguel Pinto Guimarães é composto por uma estrutura branca – mesa e bancos, alguns acoplados, de tamanhos diversos – que aproxima os distintos planos da peça. A iluminação de Maneco Quinderé é aberta, com pequenas variações, a exemplo da discreta transição ao final. Os figurinos de Carol Lobato são marcados pelo predomínio de cores neutras, contrastadas com a inclusão pontual do vermelho. No elenco – Celso Taddei, Gabriel Lara, Isio Ghelman, Lorena da Silva, Luciana Braga e Vicente Conde –, Lara se destaca com atuação sóbria que não reduz a jornada de Cláudio a um mesmo diapasão.