Edwin Luisi e André Rosa em Alair (Foto: Elisa Mendes)
Alair, atualmente em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, e Yank!, no Teatro Serrador, despontam, a princípio, como trabalhos bem distintos diante do público: enquanto o primeiro traz à tona, por meio da dramaturgia de Gustavo Pinheiro, a figura do fotógrafo Alair Gomes (1921-1992), o segundo é um musical norte-americano, de David e Joseph Zellnik, centrado num vínculo amoroso ficcional nos campos de batalha. No entanto, ambos destacam, ainda que de modos diversos, a relação com o corpo masculino.
Essa questão é a espinha dorsal de Alair, personagem real que expressa o fascínio pelos corpos esculturais dos homens nas praias, percebidos pelo fotógrafo como obras de arte. Sobressai o deslumbramento pelo corpo do outro. Já em Yank! é possível detectar, mesmo mais pontualmente, o desconforto do protagonista, Stu, com o seu corpo – a julgar pela maneira como se despe, permanecendo curvado durante certo tempo – e com a nudez coletiva, exposta sem qualquer cerimônia, com naturalidade que desconsidera especificidades físicas, em banheiros públicos, sensação que também sinaliza a atração dele pelos corpos dos homens. Em todo caso, a abordagem aqui recai mais sobre o próprio corpo.
Os autores se valem de procedimentos diferentes nas dramaturgias. Em Alair, Pinheiro privilegia a conexão de Alair Gomes com corpos jovens, evidenciada pela forma como os registra por meio de sua lente. Esse recorte atravessa os momentos da trajetória de Alair realçados ao longo do texto – as viagens, que indicam uma visão refinada de mundo, o contato com os homens que convida para fotografar em seu apartamento, o elo de intimidade não assumido publicamente com alguns. O autor abre mão de um tratamento biográfico convencional, de um modelo de escrita tradicional. Em Yank!, a história de amor entre Stu, que se torna correspondente de guerra, e Mitch, soldado, é descortinada por meio de flashback a partir da leitura do diário do primeiro, operação temporal que emoldura o espetáculo, no início e no final – marcados por discreta quebra da quarta parede.
No que se refere às concepções artísticas, a aproximação soa vaga: as duas realizações são despojadas. Alair, dirigida por Cesar Augusto (que assinou recentemente outro trabalho que evocou uma história real de trágico desenlace, a do assassinato do encenador Luís Antonio Martinez Corrêa, em Rio Diversidade), conta com três atores em produção de porte reduzido. Yank!, a cargo de Menelick de Carvalho (responsável, junto a Vitor Louzada, pela tradução e pelas versões das letras) e com direção musical de Jules Vandystadt, reúne um elenco maior, mas em formato distante do know how que impera em muitos espetáculos do gênero. Esse perfil próximo das duas montagens não deve ser avaliado necessariamente como demérito. As qualidades e os problemas contidos nos espetáculos são de naturezas peculiares.
Betto Marque e Hugo Bonemer em Yank! (Foto: Bernardo Santos)
Em Alair, Edwin Luisi potencializa o patrimônio cultural do personagem-título. Apropria-se do universo de Alair Gomes e imprime colorido à sua jornada. André Rosa revela os extremos de sedução e violenta catarse do homem no apartamento de Alair e Raphael Sander demonstra menos modulações em sua atuação. Uma apreciável suavidade é a nota comum de determinadas criações – da iluminação de Tomás Ribas e da trilha sonora de Rodrigo Marçal. Há uma integração entre a luz e o cenário de Mariana Villas Boas, tendo em vista a projeção de sombras no espaço. Mas a cenografia, com predomínio do branco (cor que favorece a exposição de fotos de Alair, com efeito parcial), é prejudicada por uma manipulação dos elementos cenográficos que atravanca a cena.
Yank! não chega a reverter positivamente a modéstia da produção porque falta, em especial no primeiro ato, um espírito de guerrilha. No segundo ato, o espetáculo adquire alguma pulsação sanguínea, mas segue afetado por limitações técnicas (a dificuldade de escutar com clareza o que os atores dizem). O elenco – composto por Hugo Bonemer, Betto Marque, Leandro Terra, Fernanda Gabriela, Conrado Helt, Leandro Melo, Chris Penna, Dennis Pinheiro, Bruno Ganem, Robson Lima e Alain Catein – é irregular: as intervenções de Gabriela têm resultado mais postiço e há eventuais concessões ao exagero nos papéis coadjuvantes; em contrapartida, Bonemer procura valorizar gradações, reações às circunstâncias e não apenas por meio de suas falas.
Alair e Yank! jogam luzes sobre particularidades do masculino nem sempre esmiuçadas com frequência e, por isso, podem ser conjugados não só entre si como, longinquamente, com trabalhos variados, como Tom na Fazenda e Estudo sobre o Masculino: Primeiro Movimento, de Antonio Duran, este último apresentado em São Paulo.