Associações diretas entre poesias e imagens cênicas
Raphael Viana e Gaby Haviaras em João Cabral, novo trabalho da Companhia de Teatro Íntimo (Foto: Carol Beiriz)
A Companhia de Teatro Íntimo vem, ao longo do tempo, valorizando como uma das vertentes de seu trabalho o texto literário, a exemplo de encenações como Os Dragões, a partir de Caio Fernando Abreu, Adélia, centrado em Adélia Prado, e esse novo João Cabral, sobre João Cabral de Melo Neto. Os dois últimos espetáculos destacam a poesia, desafio mantido pelo grupo no instante em que completa dez anos de trajetória. Depois de cumprir temporada no Espaço Sesc, a montagem segue seu percurso na Sede das Cias.
No prólogo de João Cabral, os atores realçam a importância do processo de construção dramatúrgica para o escritor e seu esforço de distanciamento de uma produção – pelo menos, assumidamente – autobiográfica. Logo após há uma nítida transição na estrutura do espetáculo, evidenciada, em especial, pela iluminação (de Rafael Sieg). Desse momento em diante, o elenco mergulha na obra de João Cabral de Melo Neto. Como o próprio título indica, o tom não é solene. Junto aos atores, Renato Farias, responsável pela direção e pelo roteiro da montagem, busca um registro intimista. Os atores circulam, vez por outra, pelo meio do público, distribuem pedaço de cana-de-açúcar e um pouco de bebida. Mas esse compartilhamento não chega a se afirmar como proposta de linguagem.
Talvez ciente da dificuldade de lidar com a palavra poética no teatro, Renato Farias procura materializá-la cenicamente de forma concreta, algo literal, o que o leva a associações previsíveis. As malas, principais objetos cenográficos (Melissa Paro assina o cenário), sintetizam as viagens de João Cabral mundo afora. A evocação do engenho traz a cana-de-açúcar como elemento representativo. Ao se mencionar um incêndio, a iluminação inunda o palco de vermelho, mesma tonalidade empregada para a passagem do flamenco. A repartição é simbolizada por mesa e máquinas de escrever. Nesse sentido, a montagem carece de uma articulação mais refinada entre palavra e cena.
Esse problema é minimizado, em parte, pelas atuações de Caetano O’Maihlan, Rafael Sieg e Raphael Viana, que se apropriam da poesia, de modo a torná-la presente. As palavras portam imagens, o que faz com que reverberem na plateia. Gaby Haviaras demonstra menos fluência, a julgar pela reduzida potência com que diz o texto. Entretanto, apesar das restrições, João Cabral comprova a seriedade da companhia.