Cena de Os Saltimbancos Trapalhões, espetáculo de Charles Möeller e Claudio Botelho, em cartaz na Cidade das Artes (Foto: Divulgação)
A dupla Charles Möeller e Claudio Botelho e a diretora Cacá Mourthé assinam diferentes versões de Os Saltimbancos a partir do conto Os Músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm. A primeira (intitulada Os Saltimbancos Trapalhões – O Musical), em cartaz na Cidade das Artes, é destinada ao público adulto e infanto-juvenil; a segunda (Os Saltimbancos), que encerrou temporada no Theatro Net Rio, às crianças.
Os Saltimbancos – que tem texto de Luiz Enriquez Bacalov e Sergio Bardotti (com tradução e adaptação de Chico Buarque) – coloca a plateia diante dos quatro animais (jumento, gata, cachorro e galinha) em sua travessia rumo à cidade grande. Já Os Saltimbancos Trapalhões – que conta com dramaturgia de Charles Möeller, inspirada no conto dos Grimm e no filme homônimo (possivelmente o melhor do quarteto liderado por Renato Aragão), com músicas e letras a cargo de Buarque, Bacalov e Bardotti – apresenta a jornada de artistas de circo explorados pelo dono do empreendimento, com rápida menção às peripécias dos bichos.
Os Saltimbancos Trapalhões é um projeto centrado na figura de Renato Aragão, que transporta seu personagem, popularizado na televisão ao longo de décadas, para o palco com bom resultado. Aragão estabelece empatia com os espectadores e diverte ao desconstruir tudo aquilo que os demais atribuem seriedade, gravidade. Também no elenco – formado por profissionais determinantes, como o parceiro Dedé Santana, e atores habituais, como Roberto Guilherme e Tadeu Mello –, Adriana Garambone comprova suas qualidades de comediante, apesar de repetir o registro de Como vencer na Vida sem fazer Força, espetáculo anterior de Möeller/Botelho.
O fato de Os Saltimbancos Trapalhões girar ao redor de Renato Aragão justifica a inclusão de gags, algumas voltadas para referências contemporâneas. Mas a montagem se torna esgarçada no segundo ato, mais alongado que o necessário. Vale, em todo caso, ressaltar o esmero da produção, especialmente no que diz respeito ao cenário de Rogério Falcão, que posiciona o público nos bastidores de um circo envelhecido, cujo pano gasto evidencia marcas de presença e a passagem do tempo. A iluminação de Paulo Cesar Medeiros oscila entre o feérico e a singeleza das pequenas luzes coloridas remetendo ao universo do entretenimento ingênuo e interiorano.
Nesse trabalho, Charles Möeller e Claudio Botelho investem no campo infanto-juvenil (tangenciado na caprichada encenação de A Noviça Rebelde). Mesmo que o texto aqui surja escorado em outras obras, o que tende a diminuir o grau de autonomia em comparação com iniciativas anteriores (como as do divertido As Malvadas e do ambicioso 7 – O Musical), Möeller vem reiterando notável esforço na produção de uma dramaturgia para musical. Ainda não alcançou solidez nesse setor, mas está no caminho.
Cena de Os Saltimbancos, montagem de Caca Mourthé apresentado no Theatro Net Rio (Foto: Victor Haim)
Em Os Saltimbancos, o público reencontra elementos que vêm se tornando frequentes na concepção dos espetáculos musicais, como a cenografia composta por estrutura de ferro e a iluminação realçando tonalidades intensas que propositadamente contrastam com a neutralidade estética e preenchem o espaço. A diretora Cacá Mourthé procura dinamizar a cena por meio de projeção de animação em telão. Talvez caiba questionar o teor teatral dessa escolha, que, a princípio, não promove diante do público um entrelaçamento entre as gramáticas do teatro e do cinema; ao invés disso, parece visar à sedução do espectador-mirim, tendo em vista sua adesão aos apelos visuais do mundo contemporâneo. O recurso, porém, ganha teatralidade – mais exatamente, quando a tela passa a ser utilizada como transparência que exibe as sombras dos atores.
Há soluções que não primam pela originalidade (como o uso de lanternas, minimalismo na contramão da espetaculosidade), mas funcionam. Os figurinos foram criados a partir de mescla de retalhos e estampas. No elenco, José Mauro Brant e Bianca Byington aproveitam bem as possibilidades vocais e corporais para o cachorro e a galinha. Pedro Lima tem atuação segura como o jumento e Carol Futuro surge menos destacada como a gata. A inegável qualidade das músicas de Chico Buarque, contudo, se sobrepõe a qualquer restrição.