Renato Borghi e Eva Wilma em Azul Resplendor, em cartaz no Teatro Ginástico (Foto: João Caldas)
Em Azul Resplendor, o dramaturgo peruano Eduardo Adrianzén se detém sobre o reencontro entre Blanca Estela Ramírez, atriz consagrada que abandonou a carreira, e Tito Tápia, ator que nunca alcançou projeção, disposto a investir todo o seu dinheiro no retorno aos palcos da profissional que tanto admira, com quem dividiu a cena em priscas eras. O autor se serve desse ponto de partida para promover um debate entre o chamado teatro de texto, simbolizado por Blanca e Tito, e o de experimentação, a cargo do diretor Antônio Balaguer, tendendo claramente para a primeira vertente. De acordo com Adrianzén, o teatro de texto está calcado numa cena que respeita as palavras do autor, enquanto que o de experimentação, pesquisa de linguagem, numa criação arbitrária do encenador, que se sobrepõe ao texto, desconsiderando-o.
A abordagem de diferentes segmentos da cena teatral é, em si, louvável, mas o autor conduz a “discussão” de modo esquemático e reducionista, a começar pelo fato de descrever essas propostas cênicas como antagônicas. A fraqueza do material dramatúrgico pode ser detectada no desenho estereotipado dos personagens coadjuvantes (a atriz carreirista, o ator norteado pelo exibicionismo corporal), na estrutura composta por monólogos avulsos, nos quais cada um revela o que pensa para além do jogo social, e no golpe sentimental do desfecho.
Na tentativa de conectar o debate contido em Azul Resplendor com o contexto teatral brasileiro, Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas (que acumulam as funções de direção e tradução) fragilizam ainda mais a peça. A figura do despótico encenador Antônio Balaguer surge como uma evidente – e bastante desgastada – sátira ao diretor Gerald Thomas. O esforço para aproximar Blanca Estela Ramirez de Eva Wilma – que, com esse trabalho, comemora 60 anos de carreira – é simpática, a julgar pela inclusão de menção a uma atuação marcante em seu percurso – em Um Bonde chamado Desejo, de Tennessee Williams, na montagem de Kiko Jaess, em 1974. Entretanto, não faz jus à imagem artística da própria Eva Wilma, que já esteve em espetáculos inquietos, provocativos, como Esperando Godot, de Samuel Beckett, na versão de Antunes Filho, em 1977, só com atrizes.
A defesa de um teatro de base tradicional também não parece condizer, em grande parte, com as trajetórias de Renato Borghi – fundador do Teatro Oficina, integrante de ponta da companhia capitaneada por José Celso Martinez Corrêa ao longo de mais de dez anos, período durante o qual o grupo atravessou transições importantes ao firmar crescente oposição à ditadura militar – e Elcio Nogueira Seixas – que participou da retomada da produção do Oficina na primeira metade da década de 1990 –, ambos parceiros no projeto do Teatro Promíscuo. O eventual descompasso entre a ideologia artística alardeada na peça e o perfil dos diretores, porém, não seria necessariamente um problema. Poderia, inclusive, suscitar interessante tensão, fricção. A restrição se refere ao enfoque maniqueísta do autor em relação ao fazer teatral, levando em conta o avanço das reflexões nos dias de hoje.
A concepção pouco refinada dos personagens dificulta a construção dos atores. Eva Wilma e Renato Borghi são os menos prejudicados, aqueles que mais conseguem tornar crível o que é dito. A atriz comprova apreciável controle técnico (as gradações de voz, o colorido que imprime às falas), colocando-se em cena com propriedade. O ator empresta humanidade a Tito; sua presença é palpável, concreta. Dalton Vigh procura tirar partido cômico do traço caricato do diretor. Luciana Borghi demonstra segurança como a insatisfeita assistente de Balaguer, uma personagem linear, sem variação. Luciana Brites e, em especial, Felipe Guerra sucumbem diante das limitações de figuras que não ultrapassam muito a esfera da tipificação.
Azul Resplendor desponta como uma homenagem ao ofício teatral. Esta perspectiva é realçada não apenas no texto como nos componentes da montagem, a exemplo da cenografia (de André Cortez), que destaca o tablado por meio de uma moldura que envolve a cena. As plataformas verticais de luz não chegam a ser aproveitadas de maneira expressiva no decorrer do espetáculo que, apesar da boa intenção, esbarra numa dramaturgia simplória.