Compromisso com a inquietação artística
Brickman Brando Bubble Boom, do Agrupación Señor Serrano
TEMPO FESTIVAL – No que se refere à existência de festivais de teatro, o Rio de Janeiro viveu tempos gloriosos com o Rio Cena Contemporânea, na década de 90. O Rio Cena voltou – mais reduzido, mas ainda importante – nos anos 2000 para algumas edições. Com a extinção do evento, a lacuna foi parcialmente suprida por iniciativas como a do Tempo Festival, dirigido por Bia Junqueira, Cesar Augusto e Márcia Dias, e o Cena Brasil Internacional, a cargo de Sergio Saboya.
A programação do Tempo Festival, cuja última edição terminou no domingo, evidencia o desejo de transcender a “mera” apresentação de montagens por meio da valorização de processos de trabalho e realização de performances. São vertentes notadamente contemporâneas: no primeiro caso, o convite para que o público participe da construção de uma obra – inacabada, portanto – e a lembrança de que, no teatro, o espetáculo nunca pode, na verdade, ser considerado como um produto final, na medida em que é distinto a cada noite; no segundo, um questionamento das bases teatrais convencionais (em especial, a noção de cena limitada a uma exposição de um dado texto).
Os espectadores assistiram ao processo de Edypop, novo trabalho d’Aquela Cia. (com estreia prevista para 9 de janeiro, no Sesc Copacabana), dirigida por Marco André Nunes, grupo que, a partir de Outside, se apropriou do gênero musical de maneira peculiar. Também acompanharam a leitura de A Santa Joana dos Matadouros, de Bertolt Brecht, dirigida por Marina Vianna. O Tempo assinalou, inclusive, uma tendência dos últimos anos – a dos atores assumirem a função de encenadores. No festival desse ano, Fim de Partida, de Samuel Beckett, ganhou montagem de Danielle Martins de Faria, atriz da companhia Alfândega 88, capitaneada por Moacir Chaves; e Giz, de Maria Shu, trabalho do coletivo GAL (Grupo de Arte Livre), sob a direção de Marcelo Valle, da Cia. dos Atores.
O Tempo investiu numa ocupação na Escola de Artes Visuais do Parque Lage através da recriação de obras da coleção Frac Lorraine supervisionada pelos professores Alexandre Dacosta, Alexandre Sá e João Modé. O Projeto Artista-Pesquisador, coordenado pelo diretor e dramaturgo Diogo Liberano, parece despontar como mais uma iniciativa que aproxima as perspectivas práticas e teóricas, outra corrente atual reforçada pelo lançamento do livro A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, desdobramento da montagem de Aderbal Freire-Filho para a tragédia de Shakespeare.
Em relação aos espetáculos propriamente ditos, o festival destacou um Recorte da Cena Espanhola através de encenações como as de Observem como o Cansaço acaba com o Pensamento, do El Conde de Torrefiel, e Brickman Brando Bubble Boom, do Agrupación Señor Serrano. Cabe chamar atenção para Coelho Branco, Coelho Vermelho, texto de Nassim Soleimanpour, que estava, até o ano passado, proibido de deixar o Irã. A montagem dispensa ensaios, direção e requer um ator diferente a cada apresentação – durante o Tempo, o desafio ficou com Lilia Cabral e Fabio Porchat. Mesmo que determinadas escolhas não se justifiquem pela qualidade – como a de Observem como o Cansaço…, selecionado para a abertura do festival –, o Tempo reafirma o compromisso com a inquietação artística.