A impossibilidade da partilha
FESTIVAL DE CURITIBA – O Espelho evidencia um movimento também empreendido por outros projetos teatrais recentes: a conjugação entre suspensão da hierarquia entre atores e espectadores e a fusão entre realidade e ficção. A determinação em borrar essas fronteiras se constitui como principal elemento atrativo desse trabalho do grupo Opovoempé, que pode ser relacionado a experiências como a de Nada, dos Irmãos Guimarães, e O que Você Gostaria que Ficasse, projeto de Miguel Thiré vinculado ao Brecha Coletivo, só para citar dois exemplos. Entretanto, até que ponto cabe investir numa equivalência entre ator e espectador, uma vez que ambos ocupam lugares necessariamente diversos?
Cristiane Zuan Esteves, responsável pela concepção, direção e dramaturgia (além de integrar o elenco), propõe a realização de O Espelho num jardim (em Curitiba, o espaço escolhido foi o Bosque do Papa). Os espectadores são convidados a dividir uma mesa de lanche junto com o elenco. Não existe, portanto, separação entre o espaço destinado ao ator e ao público. Uma atmosfera nostálgica, instalada pela seleção das músicas e pela louça disposta sobre a mesa, emoldura depoimentos das atrizes sobre histórias familiares, com destaque para doces ecos da infância. Apesar da propriedade com que evocam as vivências, não há garantia de se tratarem de experiências reais. Mas, mesmo se forem, a lembrança do fato real passa necessariamente por um filtro ficcional no instante em que é trazida à tona.
A articulação entre passado e presente é feita por meio do pedido para que cada espectador escreva uma pergunta referente àquele dia da apresentação. O objetivo não é só captar o instante imediato, mas procurar perceber em perspectiva o teor das questões de acordo com a faixa etária de quem as formulou. As atrizes dividem ainda o público em duplas, levadas a partilhar gravações de informais depoimentos de crianças e idosos – não por acaso, extremos temporais – sobre a descoberta do mundo e o contexto no qual se percebem inseridos. As reverberações desses registros em cada um não são relatadas aos demais espectadores e nem os autores das perguntas, revelados. Há, nesse sentido, uma preocupação em preservar a esfera privada, sem a ânsia de impor uma (provavelmente limitada) troca de impressões. O Espelho se une a outros dois experimentos cênicos – A Festa (mostrado no Fringe do Festival de Curitiba) e O Farol.
O crítico viajou a convite da organização do festival.