Um filme protagonizado pelo tempo
Filme de teatro: Vocês ainda não viram Nada, de Alain Resnais
Em Vocês ainda não viram Nada, Alain Resnais promove uma contracena entre instâncias temporais diversas por meio da interação virtual entre atores que participaram de algumas versões de Eurydice, de Jean Anouilh, todas a cargo do dramaturgo Antoine D’Anthac, e os integrantes da Compagnie de la Colombie, que pedem para realizar uma nova encenação.
Logo no início da projeção, um grupo de atores (entre eles, Mathieu Almaric, Pierre Arditi, Sabine Azéma, Anne Consigny, Hippolyte Girardot, Michel Piccoli e Lambert Wilson) recebe a notícia da morte de D’Anthac. São convidados a comparecer à mansão do amigo falecido e, lá reunidos, apresentados à proposta de montagem da Compagnie de la Colombe, projetada numa tela. Caberá aos atores, dirigidos por D’Anthac em diferentes encenações de Eurydice, autorizar a feitura do novo espetáculo.
Já nessa plateia de atores, Resnais articula uma fusão de tempos. Afinal, eles estiveram em distintas encenações de D’Anthac para o mesmo texto. Várias camadas de passado são “presentificadas” a partir do momento em que começam a dizer o texto de seus personagens, estimulados pelas interpretações dos atores da Compagnie de la Colombie. O elenco da companhia, por sua vez, simboliza a montagem futura. Entretanto, as imagens dessa nova proposta de encenação foram previamente registradas para avaliação. Estão atadas ao passado da gravação, do cinema – uma manifestação artística divorciada do aqui/agora da apresentação, como o teatro. Não se pode esquecer, claro, que Vocês ainda não viram Nada é estruturado como um filme dentro do filme. Portanto, o plano do presente (os atores assistindo ao projeto de montagem da companhia) também está preso ao passado.
As fronteiras entre presente e passado, teatro e cinema não são as únicas entrelaçadas por Resnais, que funde ainda o real e o ficcional ao fazer com que a maioria dos atores do filme interprete si mesmo (não por acaso, boa parte do elenco porta o próprio nome) e os personagens de Eurydice. Encarregado do papel de Antoine D’Anthac, Denis Podalydés conduz, na vida real, a Compagnie de la Colombie. O roteiro de Laurent Herbiet e Alex Réval mescla duas peças de Jean Anouilh – além de Euridyce, Cher Antoine, ou l’Amour Raté – num filme que propõe um debate teatral (a companhia arrisca uma leitura contemporânea de uma obra clássica), valoriza o expressivo trabalho dos atores, captado em closes, e investe, quase sempre, em espaços fechados (habilidade de Resnais comprovada em produções anteriores, a exemplo de Medos Privados em Lugares Públicos), com breves saídas para o exterior.